sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
Véspera
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
Capítulo 1
(retomando nossa velha amiga, protagonista de http://talvezblog.blogspot.com/2011/07/naquele-dia-literatura-pegou-ela-de.html . Atribua as falhas na gramática às quatro da manhã, ou assuma tratar-se de escolha estilística. De qualquer forma, tendo encontrado uma, contate-me, preu ver se dou um jeito)
Que as vezes tomamos decisões ruins, isso não era novidade. Mas ela se pegou incomodada, não faz muito tempo, com a intransigência da não repetição e com a intransigência da expectativa de repetição. A primeira, supunha, deveria atribuir a Deus, e a segunda, lhe parecia, aos homens.
Pois Deus calhou de inventar isso de não haver outra vez se não a uma, de forma que nossa intenção perde o protagonismo para nossa ação. Neste mundo horrivelmente material, não era o que ela desejava de fato que se manifestava, mas a consequência do que fazia. Não importava, dessa forma, a intensidade com que ela, por exemplo, desejasse a felicidade de alguém. A consciência deste alguém sobre sua intenção se limitava não a ela em si, mas àlguma consequência – muitas vezes beirando o desintencional – do que seu porco domínio sobre a gramática ou a mecânica do universo foi capaz de expressar. Havia aí uma terrível injustiça, ela percebia. Mais valioso era um cérebro afiado que um coração macio.
O primeiro conseguia emular intenções que nem tinha, pelo controle da consequência. O segundo se atinha a tornar a consequência o mais perto possível de sua intenção, nunca conseguindo tornar aquela tão bela quanto esta. E os dois, afiado e maciez, pareciam nunca pertencer ao mesmo dono. E se ela tinha a impressão de tê-los encontrado conjugados, percebia mais tarde que era normalmente um esperto amargo se cobrindo de açúcar, ou um coração estúpido demais para conseguir parecer tão bom quanto era. Mais terrível ainda, encontrara um ou outro donos beirando a esquizofrenia, servindo por vezes um, por vezes outro impulso, nunca combinando-os de fato.
A intransigência da expectativa da repetição, por sua vez, ela via de regra sentia mais de fora pra dentro que de dentro pra fora, pelo que achava mais lógico atribuí-la a um mal social que natural. Ela transmitia, e não negava isso, a imagem de uma mulher bastante forte e equilibrada – e, em alguma medida, era forçada a reconhecer, um pouco cabeça dura. Não sabia, afinal, outro meio de lidar bem na esfera profissional, por exemplo, e descobriu, a duras penas, que as portas se abriam em maior frequência na maioria das esferas sociais também com este perfil de solidez imaculada. Não se importava em absoluto com isso, a princípio. Lhe garantia uma espécie de distância a respeito da maioria dos distúrbios do mundo e, ao mesmo tempo, algo como que uma autoridade a respeito deles.
Igualmente agradável era para ela, porém, a possibilidade, entre os mais íntimos de seus amigos, de se libertar de sua aura de paz e coerência. Não que sentisse a necessidade disso com frequência; em alguma medida, ela sabia que não era de todo imprecisa sua noção de que todo palhaço acreditava, depois de um tempo, que seu nariz de verdade era o vermelho e redondo. Mas a possibilidade era dos principais atenuadores da necessidade, sua liberdade residia no poder ser mais que no ser.
A intransigência da expectativa de repetição se abatia sobre ela com mais peso quando, defrontada com um novo grande amor ou novo grande amigo, resolvia lhe conceder a possibilidade de a conhecer incoerente ou perturbada. O pequeno e novo pedaço de si que ela oferecia, no entanto, muitas vezes era recebido menos como uma inesperada dádiva e mais como uma desagradável surpresa. Não lhe concediam, nem lhe concebiam, a fraqueza, a pequenez ou a incoerência. Não fosse a fortaleza sorridente que se apresentava outrora, se afastavam – mais pelo medo da novidade que por qualquer maldade ou desprezo; ou, pelo menos, era isso que ela se forçava a supor, pelo bem de seu curioso sistema de amor próprio.
Foi munida desses intrigantes pensamentos que ela resolveu quebrar sua auto-promessa, e saiu, três horas da manhã, em busca de algum supermercado vinte-e-quatro horas que lhe vendesse creme de avelã. Ficou reconfortada com a possibilidade de sair para comprar creme de avelã, enquanto colocava um casaco por sobre o pijama e destrancava a porta. Por não ser nenhuma grande teóloga, era fatal sua incerteza quanto a ser um erro ou não ir comprar o creme de avelã, pelo menos se era um erro ou não ir comprar creme de avelã naquela específica vez, que jamais se repetiria. O que lhe reconfortava, porém, era saber, ao quebrar sua auto-promessa, que pelo menos em relação a si mesma estava livre da intransigência da expectativa de repetição.
sábado, 29 de outubro de 2011
Talvez uma intervenção
terça-feira, 25 de outubro de 2011
Dois poemas
I - Poema da Página do Meio
Você, copo meio meio cheio,
é minha testemunha
Que
Ainda que culpado, também sou inocente
Você, copo vazio, atesta com certeza que
Minha sanidade
(apesar de nunca ter sido muita)
Sempre foi e ainda é toda minha
Você, pilha de guardanapos limpos, atesta minha preguiça mansa
Como o faz meu chapéu empoeirado
Mas ta aí uma atestação
Que dispensa documento
Os garçons do lado e
O homem coçando o nariz do outro lado da rua e
O barulho dos carros
São a prova concreta que
A vida segue firme em frente
(E que não dá pra se fazer muito a respeito)
Você, página do meio do
Livrinho de Ideias de Bolso
(que eu tinha esquecido de preencher mais cedo)
É minha testemunha.
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II - Ode à Tapioca
Enche minha boca
Doce Tapioca
Mi'as papilas pedem por
Teus pérfidos sabores
Esta minha língua,
Lúdica, não troca
Nada por ti, e se troco
Cai em estertores
- Minto, não protesta
Muito meu palato
Se te troco por sorvetes
Ou por brigadeiros
Mas é muito certo,
Inconteste fato,
Vindo os três servidos juntos
Como-vos inteiros.
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
Dessa vez
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
O Mágico ataca novamente
sábado, 1 de outubro de 2011
As primeiras palavras do Universo
Me perdoem o sem número de pretenções poéticas que venho lhes jogando estes tempos. Confesso que prefiro (e confio mais no meu taco quando se trata de) escrever estórias, mas minha cabeça não tem funcionado suficientemente cartesiana para que a forma adequada de um conto ou coisa do tipo se manifeste.
Vai lá o poema, em estado quase que bruto (que minha alma, completamente bruta, não fica tão bem no papel).
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Posto que era pira, havia chama
Não havendo mais amor, ardeu raiva
Por ser pouco o combustível, ardeu morna
A calma raiva dos assassinos.
Entre estantes velhas e livros de poeira
E ideias ambíguas e sentidos de loucos
E palavras que só faziam sentido em seu idioma
A moça atordoada procurava entre...
Posto que havia mentira, havia dúvida,
Não havendo mais certeza, ardeu fé
Por ser muita a desconfiança, creu suave
A suave crença dos que não pensam muito
... estantes velhas e livros de poeira
E ideias ambíguas e sentidos loucos
Palavras que fariam sentido para
Seus sentidos, que lhes desmentiam as crenças adquiridas...
Posto que havia fúria, havia calma,
Posto que havia o alvo, havia escárnio
Sendo incertas as certezas, deixou-se, leve
Morrer de novo na irmã correnteza
Entre estantes velhas e livros de poeira
E ideias ambíguas e loucos sentidos
E as primeiras palavras do Universo.
sábado, 24 de setembro de 2011
As pessoas e o Sexo.
***
Os dois estavam na cama. Já era noite, mas ainda cedo, nenhum dos dois tinha sono, estavam simplesmente lendo, vez ou outra fazendo algum comentário engraçado ou sarcástico. Havia sido um daqueles dias quentes, quentes demais para dar vontade de fazer qualquer coisa além de ficar na cama, apesar de quente demais para conseguir dormir. A noite deixara o clima mais agradável, é verdade, mas já era tarde demais para começar a fazer alguma coisa fora da cama, preferiram continuar ali fazendo a mesma coisa.
Ele foi o primeiro a se cansar da leitura, como sempre. Ele amava os livros, é verdade, se perdia para o mundo externo e se afundava completamente na estória, tanto quanto é possível que alguém faça, algumas vezes se ligava tanto a uma estória que tinha que escrever, criar estórias que fossem suas para tentar redescobrir a própria identidade, para criar alguma ligação entre si mesmo e o mundo real, ou ao menos um mundo que não fosse aquele das estórias que estava lendo. Mas o fato é que ele se cansava (mental e oticamente) muito mais rápido que ela, apesar de reconhecer que ela precisava de mudanças vez ou outra tanto quanto ele (ela nunca estava lendo apenas um livro, então mudava de um para outro), talvez até mesmo mais. O fato é que ele parou de ler e ela não. Ele ficou ali, na cama, quieto, sem querer atrapalhar a leitura dela, simplesmente pensando. E olhando para ela de tempos em tempos, simplesmente para apreciar a beleza da expressão séria, dos cabelos soltos e dos centímetros –infinitos- de pele à mostra. Parecia um adolescente tímido que se vicia em olhar para a pessoa que gosta e pensa fazer isso furtivamente.
Ela, obviamente, percebeu, e não pode evitar um daqueles sorrisos que eram tão característicos dela, com o rosto ficando levemente rosado, não muito, com um pouco de malícia e um pouco de inocência. Quando os olhos dele se encontraram com os dela, quando viu no rosto dela aquela expressão, não pode –e não quis- controlar uma ereção. E deixou de lado o adolescente tímido.
Ela ainda tinha o livro nas mãos e o sorriso no rosto quando ele começou a beijar, lenta e suavemente, várias partes de seu corpo: as pernas, ao longo dos braços, os ombros (muitas vezes), os seios (com também suaves e lentas mordidas), a barriga, a parte interior das coxas. Até aí cada pelo do corpo dela já estava eriçado, e começou a colocar de lado o livro que lia. Enquanto ele finalmente chegava ao clitóris o sorriso também foi colocado de lado e deu lugar a outra coisa.
Apenas depois disso foram se olhar nos olhos novamente, ele aproximando seu rosto do dela aos poucos, até se beijarem. Muitos casais teriam nojo de fazer isso, mas ela não tinha esse tipo específico de aversão, assim como ele não tinha quando acontecia o contrário. Aquele, provavelmente, foi o momento mais perfeito para ele, mais até do que os que viriam a seguir, porque naquele momento – enquanto passava a senti-la por dentro – ela mordia suavemente o lábio inferior durante o beijo molhado, os joelhos dela se arqueavam e dobravam, embora não demais, e ele sentia as pontas dos dedos dela pressionando suas costas, as unhas, apesar de não muito longas, certamente deixariam marcas na pele por alguns minutos. Tudo era suave.
Ela pressionou um dos lados e ele prontamente entendeu. Os dois rolaram juntos na cama, ele ficando por baixo, ela por cima. Era a posição ideal para os dois, a que mais fazia com que se sentissem bem. Nessa posição podiam se beijar, se olhar nos olhos, sorrir um para o outro, conversar. Conversavam naquele mesmo momento, mas falavam coisas que não cabe aqui dizer.
As mãos dele se encaixaram nos seios dela, os mamilos se enrijecendo enquanto acariciados entre os polegares e os indicadores. Depois de alguns momentos e mais outros movimentos, uma das mãos dele desceu e foi se apoiar no quadril dela, enquanto a outra subiu e trouxe o rosto para mais perto. Ela sentiu algo de diferente naquelas mãos, viu algo de diferente naqueles olhos; e ouviu algo de diferente quando ele sussurrou com uma voz pausada a pergunta – ou seria um pedido? – “você me ama?”. As partes do seu corpo que não dependiam do seu uso da razão continuaram a fazer o que estavam fazendo, o resto, a parte de dentro, parou.
Ela precisava pensar para responder uma coisa dessas! E naquela situação ela não iria conseguir pensar direito, não teria o tempo necessário e não sabia por quanto tempo ele aceitaria ficar sem uma resposta, se é que ele realmente queria uma resposta. Ela nunca se importara com essa palavra a ponto de pensar se ela podia ser usada entre os dois, ou em qualquer situação, se fosse ser completamente sincera. Nunca havia falado para ninguém o que ele –aparentemente- queria que ela dissesse agora. Eram tantas as coisas que precisavam ser pesadas e medidas, consideradas, para chegar a uma conclusão dessas, e ela nem mesmo sabia a qual conclusão poderia chegar. Ela tinha certo medo de que ele pudesse sentir, que ele conseguisse sentir o que ela sentia por dentro. E ela sabia que gostava dele, gostava do que estavam fazendo antes dele fazer essa pergunta estúpida e maliciosa. Não, ela não amava, não sabia o que era isso, o que ele queria, não sabia o que ela própria queria. Ela fez a mesma cara séria que fazia enquanto lia e, para que ele não percebesse, o beijou. Ele deve ter interpretado isso como uma resposta positiva, ela pensou; ela conseguia sentir que era isso que ele pensava. Era culpa dele se estava interpretando isso dessa forma, ela não tinha culpa, não tinha o que fazer sobre isso, não antes de ter tempo para pensar. E demoraria até que fosse ter tempo para pensar.
Tentou esvaziar a cabeça dessas coisas, esquecer isso, voltar a se concentrar nas mesmas coisas que a ocuparam a alguns segundos atrás – isso não deveria ser tão difícil –. E conseguiu, embora apenas em parte. Enquanto continuaram ali juntos não conseguiu mais conversar leviandades como em geral. Conversaram através do corpo, e talvez tenham se entendido assim melhor que de qualquer outra forma que tentassem. Mas ainda assim, quando ele finalmente adormeceu, muito depois, continuou dentro dela. Ela não conseguiu tirar ele de sua cabeça, e pareciam ser duas pessoas diferentes a que estava ali com ela na cama e a que estava nos pensamentos durante a noite em claro. Ficou quieta na cama, quase que paralisada. Se levantasse iria acordá-lo e não queria pensar no que aconteceria se começassem a conversar naquele momento.
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
Lobo
Que a noite, enfim, é muito curta.
Deixe a lua ser tua consorte,
Espera o sol bater na tua cara,
Quando o vir, lobo, memento mori.
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
Pessoas e o fim
segunda-feira, 1 de agosto de 2011
O Suco Secreto
Você já deve ter tomado groselha. É um negócio gostoso, principalmente aos oito anos. Mas quando eu tinha oito anos, groselha não era groselha, pelo menos não na casa da minha avó.
Ela aparecia na sala, quando íamos jantar seu famoso arroz com franguinho, com copos cheios, dizia para os netos, de Suco Secreto. Era maravilhoso. Mais saboroso que suco de uva, sem a consistência incômoda do suco de laranja, com aquela cor bonita (principalmente contra a luz, olha, o que será que ela põe aí?). E era, sem que soubéssemos, groselha.
O neto, ao completar onze anos, dizia para nós, aprenderia com ela mesma a receita do Suco Secreto. Ah, tempo de espera cruel e dolorosa. Lá estávamos, em outro dia, sentados na sala, comendo arroz, franguinho, talvez umas batatas fritas, assistindo a algum filme que ela tivesse gravado pra gente. Ela vinha pelo corredor e chamava um de nós.
Não nos dávamos conta na hora, mas o aniversário dele tinha sido o que? Uma semana, talvez duas, atrás? Só quando eles voltavam, três cenas do filme depois, trazendo nas mãos copos de Suco Secreto para todos, é que percebíamos.
O olhar com a humildade orgulhosa dos sábios em seu rosto não nos deixava dúvida. Ao chamado de nossa avó, uma criança, ignorante dos Segredos do Suco, havia deixado a sala. Voltara para ela um Homem Completo.
segunda-feira, 11 de julho de 2011
Naquele dia, a Literatura pegou ela de surpresa. Não teve jeito. Tentou coca, chocolate, dois filmes. Nada lavava a coceira pra longe da ponta dos seus dedos.
Tentou dirigir por meia hora, para o segundo mercado vinte-e-quatro-horas mais próximo da sua casa, e comprar xampu e detergente, que já estava quase acabando. Não deu certo:
No mercado, se viu no espelho, com aquele casaco escuro. Estava bonita, droga. Maldita madrugada, em que até ela, até ela, se achava bonita com um carrinho de supermercado e uma blusa velha. Porcaria de blusa velha e lírica.
Achava muito desconfortáveis essas noites em que a Literatura vinha e lhe atacava de surpresa. Tinha uma reunião amanhã cedo. Tinha que encher o pneu do carro. Tinha que lavar a louça. Meu Deus!, aquela louça ia ganhar vida e começar a se cuidar sozinha, se ela não fizesse nada a respeito!
Chegou em casa e não guardou nem xampu nem detergente, nem o monte de biscoitos que tinha comprado de autopresente não sabia por quê. Deixou as sacolas em cima da mesa da sala. Também não lavou a louça. E não dormiu.
Sentou na cama e pegou o bloquinho de papel que sempre deixava ao lado. Desencavou uma caneta de baixo do colchão – as canetas estavam na casa inteira, menos no porta canetas! Por que!? – Escreveu de um fôlego, como não costumava fazer.
Era uma estória sobre Dragões, Princesas e um violão mágico. Não tinha nada a ver com as ideias que vinha juntando por dias. Não era profundo. Não era calculada. Não era o que ela queria estar escrevendo. Não servia nem de exercício.
A Literatura é uma filha da puta, ela pensou. Mas Rocinante, o Cavalo Falante, respondeu-lhe, de dentro das folhas, que ela que era uma mal-agradecida. Ora, Rociocinava, tem letras onde antes era branco, tem ideias onde tinha nada, não é profundo, mas é bonito, e, principalmente, agora tem eu! Quer pedacinho mais bem escrito de Cavalo Falante?
Mas ela já estava dormindo desde a parte das ideias onde não tinha nada. Não deu nem tempo de fazer a revisão.
quinta-feira, 7 de julho de 2011
Pessoas e o tempo.
sábado, 2 de julho de 2011
Pessoas e coisas.
quarta-feira, 29 de junho de 2011
quinta-feira, 23 de junho de 2011
Pessoas e lugares.
Ele estava na cozinha. Algumas panelas no fogão e luz da manhã entrando pela janela. Estava fatiando alguma coisa que ela não conseguia ver o que era.
Ela estava a alguns passos de distância, sentada à mesa, vestindo apenas uma das camisas dele. Estava daquele jeito porque isso a fazia sentir como em uma cena de filme. Talvez uma comédia romântica, gênero do qual ela não gostava muito, mas talvez de um drama, e ela adorava dramas.
“Isso parece uma coisa tirada de uma das minhas estórias”, ele falou. E ela percebeu que era verdade.
“Duas pessoas, um lugar pequeno… Não dizem que os melhores escritores são aqueles que conseguem aproveitar bem pouco personagens ao invés de ficar criando vários para preencher lacunas?”
“Acho que é verdade, mas duas pessoas nem sempre são pouco, especialmente para um conto ou algo assim”.
Uma pequena nuvem de vapor começou a se formar, e ela conseguia sentir o cheiro de café. Sorriu.
“Mas nas suas estórias as pessoas sempre são silenciosas, e nunca é tão claro quanto hoje, é sempre tarde, ou uma manhã cinzenta….”.
“Hahaha, é verdade, eu não sou muito bom em fazer as pessoas falarem, sempre acho que fica artificial quando eu tento, e eu prefiro o cinza”
Podia ser verdade, mas, se fosse, ela não conseguia entender o porquê dele ter janelas tão grandes. Grande parte de uma das paredes da cozinha era uma grande vidraça, quase com o uma parede de vidro. O céu estava azul e o Sol entrava sem nenhuma interrupção. Na sala havia uma parede parecida, e uma grande varanda na entrada. Mas no lugar onde ele escrevia era sempre cinza, na melhor das hipóteses. Pela casa também havia pelo menos uma vitrola velha e dois aparelhos de som mais modernos, que além de tocar vinil também aceitavam CDs e MP3. Quando ela o conheceu, e mesmo quando conhecia apenas o que ele escrevia, já imaginava os rádios, e também os livros por toda parte, mas nunca teria pensado nas janelas. Nas estórias dele os quartos e as casas sempre falavam muito sobre as pessoas, agora ela ficava imaginando o que as janelas diriam sobre ele.
Ele colocou uma xícara de café para ela e voltou a se concentrar em fatiar seja lá o que fosse. Ela não gostava tanto de café, não tanto quanto ele, mas gostava das xícaras grandes, arredondadas. Ela havia ficado muito feliz quando ele escreveu uma linha rápida em uma das estórias sobre essa mania dela.
Eles tinham se conhecido alguns anos antes, quando ele ainda não era um escritor de verdade, mas por algum motivo ela já tinha lido coisas que ele tinha escrito. Mas não foi realmente isso que o impressionou, ela era muito mais artista do que ele, de corpo e alma, e não conseguiu não ficar encantado por isso. Compartilhavam algumas manias, apesar de terem muito mais diferenças do que semelhanças, mas se davam bem o suficiente um com o outro para evitarem ir para a cama depois de um tempo.
“Não fique aí sem falar nada, o que você está fazendo? Você tem planos para hoje?”
“Estou deixando algumas coisas meio prontas para mais tarde, vou ter que escrever, lá na editora já estão me enchendo o saco.”
Ele sempre ficava um pouco nervoso quando os prazos estavam acabando, mesmo que ainda faltasse um tempo e não estivessem realmente tão preocupados assim com ele. Ela se levantou e foi ajudar, aproveitando para comer um pouco das coisas que ele esquecera de coloca na mesa quando serviu o café.
“Você devia voltar para a cama. Você escreve melhor descansado, e à noite. Se você quiser amanhã de manhã venho aqui ver como você está e te empurro para a cama. Ah, e vou passar na livraria mais tarde, se quiser posso te trazer alguma coisa.”
“Não, acho que tenho tudo que vou precisar aqui, muito obrigado. Não falta muito para acabar, queria terminar cedo para tentar te ver mais tarde na galeria.”
“Hahaha, você não vai conseguir terminar hoje, e não precisa se preocupar com a galeria, você pode ir outro dia.” Ali, lado a lado, se beijaram. “Devíamos fazer um filme sobre nós”.
“Um filme não, não tem emoção suficiente para um filme, mas talvez uma história…”
sexta-feira, 17 de junho de 2011
As Fantabulosas Aventuras do Mágico
“Isso, Majestade, venha aqui, por favor” o Mágico e mais quatro seguranças do tamanho de gorilas ajudavam a Rainha a descer do camarote até o palco. “Não, não, preciso que você fique com a coroa… Isso. Agora entre nesta porta.”
Eram duas grandes caixas vermelhas, separadas uns dois metros uma da outra. A Rainha entrou na da direita, o Mágico, na da esquerda. Em menos de três segundos ele saiu, ao invés da cartola, a Coroa Real na cabeça.
Os nobres aplaudiram efusivamente, apesar da quebra do protocolo. Mal podiam esperar pra ver Sua Majestade com um chapéu sem qualquer tipo de pena ou pedra preciosa.
“Vocês vão observar agora,” disse o Mágico alegremente, enquanto abria a outra caixa “que sua Rainha não está mais aqui!”
E era verdade. Caixa vazia. Todos assustados. Uma moça desmaiou na platéia, e pelo menos dois monóculos foram ao chão. “Em três dias, quero entregues em meu cofre na suíça um bilhão de libras esterlinas, Kate Beckinsale, um fio de verdade da barba do Sean Connery e a Cornualha, ou vocês nunca terão sua Rainha de volta!”
Disse isso e desapareceu.
segunda-feira, 6 de junho de 2011
Soneto à Anônima versejação
Úmida folha em chão seco de mitos
Basta um só vento que longe te leve.
És carne, és sonho, idéias e neve,
Campo de sonhos ainda inauditos.
Fosse eu dos grandes poetas peritos,
Far-te-ia a rimas, precisas e breves,
Para dizer-te “Oh, folha, releves!,
São campos secos, mas ainda bonitos”
É, porém, rouca e pueril minha musa:
Falta sentido e paixão duradoura,
Mata-me a idéia uma vírgula intrusa.
Queria ser qual tú, encantadora
Plena da arte que a nada recusa,
Úmida folha de Anônima autora.
sábado, 21 de maio de 2011
Piano
Há algumas semanas colocaram um piano na estação de metrô que costumo ter de usar todos os dias. É um projeto até interessante, o piano não é ruim e seu uso é livre, sem frescuras. Todos vocês já devem saber que tenho alguns hábitos noturnos, e mesmo que não os tivesse, sou obrigado a pegar um dos últimos metrôs para conseguir chegar em casa depois de sair da Universidade. Ah, nesse ponto provavelmente seria legal eu explicar que esse texto, extraordinariamente, é verídico - Ao menos em grande parte –, diferentemente dos que costumo escrever aqui, que são pura ficção, com apenas uma ou duas virgulas realmente minhas. Pois bem, o fato é que é verdade, e como verdade na vida de alguém não muito excepcional como eu, não tem nada que vá chamar muito a sua atenção, creio. As histórias realmente boas são pessoais demais para publicar aqui. Mas são essas coisas pequenas e em geral não-importantes que aquelas pessoas que escreviam, já muito tempo antes de eu juntar letras em palavras e palavras em frases e frases em textos de qualidade inferior, chamavam – e ainda costumam chamar, até onde sei – de epifania.
Mas voltando ao assunto. Todos os dias passo na frente daquele piano, quase sempre uma vez durante o dia e outra pouco antes do metrô fechar. Durante dia sempre tem alguém martelando as teclas dele, alguns com habilidade outros sem. Eu mesmo já arrisquei algumas notas mal-encadeadas baixinho, para ninguém ouvir, e olhando para os lados, como que fazendo aquilo na surdina. À noite a situação muda, quase sempre não tem ninguém tocando.
Algumas vezes tenho a sorte de voltar mais cedo, não muito, apenas alguns minutos. Numa dessas vezes, enquanto descia a escada rolante consegui ouvir as notas. Era uma música simples, mas nem por isso era feia. Era alguma coisa que eu nunca tinha ouvido antes. Ou simplesmente não reconheci, costumo demorar para reconhecer até mesmo algumas das músicas que mais gosto: não me vem o nome, ou o artista. Mas a questão é que não reconheci, e ainda não consigo reconhecer. Quando terminei de descer as escadas vi a velhinha tocando. Uma grande sacola de plástico encostada do lado do piano, não consigo encontrar nenhuma palavra melhor para descrevê-la do que maltrapilha. Não é uma palavra que eu goste, mas resume bem a situação. As roupas visivelmente remendadas e velhas, os cabelos, apesar de presos numa espécie de trança ou rabo-de-cavalo, estavam bagunçados. Não conseguia ver o rosto dela com clareza, ela se debruçava sobre o piano de uma forma desesperada, dava para ver – até mesmo sentir – a emoção que colocava em cada nota que fazia. Ela estava sozinha, me impressionou que ninguém parasse para ouvi-la. A música era realmente boa. Mas talvez isso não devesse me surpreender, a verdade é que eu nem mesmo parei, apressado que estava para chegar em casa e descansar depois de um dia cansativo. Mas quando atravessei a catraca pensei que deveria ter ficado lá, não muito só alguns minutos.
Várias vezes depois disso passei por aqueles lugar à tarde, e em algumas dessas vezes tive a chance de ouvir pessoas que tocavam muito bem, que juntavam uma pequena plateia ao seu redor. Às vezes não tão pequena assim para ser sincero. Mas nenhuma outra vez vi alguém debruçado sobre o piano como aquela velhinha. Ao menos não até ter a oportunidade de voltar um pouco mais cedo de novo. E lá estava a velhinha. A mesma grande sacola de plástico, talvez fosse outra roupa, mas tão velha e remendada quanto a outra, e tão curvada sobre as teclas quanto antes. E novamente ninguém tinha parado para ouví-la, mas dessa vez eu parei. Não fiquei muito tempo, é verdade, no máximo três minutos, mas nesses minutos fiquei imaginando uma história para aquela pessoa. Como havia aprendido a tocar piano ainda criança, como aquilo era agora importante para ela. Talvez o momento mais aguardado do dia dela fosse aquela hora, já com a noite adiantada, na qual sentava-se num banco frente a um piano em uma estação de metrô e acariciava as teclas como as velhas amigas que elas na verdade são.
Nunca vi o rosto da mulher. Depois desses três minutos saí do metrô pensando na importância da arte na vida das pessoas, e gostando dela um pouco mais do que já gostava. Até agora não voltei a encontrar a velhinha tocando no metrô.
quinta-feira, 28 de abril de 2011
Singelas Rimas ao Talvez Blog
Eis que lanço esta semente
De ode: poeminha breve
Se me ver pecar, releve
Se ler e gostar, comente
Escrevo aqui, mas desinteiro
(e em hora triste, oh!, horrores),
Pra agradar os Seguidores
- Já perdi a fé no dinheiro
Se eu, inábil menestrel,
Com meus postes não consigo
Fazer-lhe do blogue amigo,
Leia os do Emannuel
Não espere-nos Machado,
Baudelaire ou Saramago,
Mas repare: nada é pago
E é, as vezes, engraçado.
sábado, 26 de fevereiro de 2011
Talvez uma intervenção
Eu realmente não sou o tipo de pessoa que se diverte muito com o convívio com os outros. Por vezes quando estou deitado na minha cama lendo algum livro penso que são aqueles momentos nos quais eu realmente posso ser eu mesmo. Quando estou na companhia de alguém dificilmente falo aquilo que vem à minha cabeça. Por vários motivos. O mais importante sem dúvida é que as coisas que passam pela minha cabeça dificilmente são o tipo de coisas que se fala para as pessoas. Em outras situações simplesmente acabo falando sobre coisas que as pessoas não querem ouvir, assuntos desinteressantes para elas, ou nas quais elas simplesmente nunca pensaram antes.
Mas não me entenda mal. Existem pessoas com as quais gosto de conviver. Mas isso geralmente implica em pessoas que falem, e que falem coisas as quais eu não me sinta mal de ouvir. É um pouco demais pedir para que alguém entenda minhas piadas internas – de mim para mim mesmo – ou minhas referências, mas as vezes me surpreendo com como o tempo faz com que aquelas pessoas que eu simplesmente costumava ouvir me entendam um pouco melhor quando falo.
Conhecer pessoas é fácil. As perguntas são sempre as mesmas, os assuntos-chave facilitam, podem até fazer com que as pessoas tenham uma boa primeira impressão e gostem de você logo de cara. Depois, quando esses assuntos morrem, fica mais complicado. Quero dizer, isso quando vale a pena tentar fazer uma ponte entre esse estágio e o que comentei no parágrafo anterior. A maior parte das vezes simplesmente não vale. Mas até aí, na maior parte das vezes somos obrigados a conviver com pessoas que não valem a pena. E é exatamente nos momentos em que isso fala mais alto que me deito na minha cama com um livro e penso se realmente essa estória de sociabilidade vale a pena.
O importante sem dúvida é se divertir. Se você não se diverte com alguma coisa, provavelmente você pode substituí-la por alguma outra que te diverte. Escutar o que aquelas pessoas que chamo de amigos tem para dizer provavelmente é a coisa que mais me diverte, não importa realmente o que elas estejam falando, sejam divagações filosóficas, sejam besteirinhas que não chegam sequer a ser triviais, ou até mesmo assuntos que poderiam ser considerados sérios, já que numa conversa entre amigos nenhuma conversa é realmente séria, e nenhuma conversa escapa de algumas amenidades. Caso contrário eu realmente não sei se seria amizade de fato.
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
As Novas Aventuras do Mágico
O Mágico parou por alguns instantes e cogitou: o que lhe fariam se pedisse um ketchup?
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Talvez uma intervenção
Todas as noites pouco antes de me deitar eu rezo. Não da forma que as pessoas costumam fazer isso. Não rezo para um Deus inefável, eu rezo para Bob Dylan.
Todas as noites quando encosto minha cabeça no travesseiro imediatamente começo a pensar. Talvez já estivesse pensando mesmo antes disso. Penso sobre pessoas que provavelmente não deveriam estar em meus pensamentos tão tarde da noite. Porque sempre é tarde. Sempre é muito tarde. Geralmente é isso que acontece com pessoas que só conseguem realmente se sentir vivas à noite. Pelo menos é o que acho. É com a cabeça nesse travesseiro que penso nas coisas que fiz durante aquele dia e aquela noite. Penso em como certamente poderia tê-las feito melhor, e como na verdade não me sinto arrependido por não tê-las feito da melhor forma que podia. Mas não, isso é um pouco de hipocrisia, é difícil olhar para todas as coisas que se fez durante as 24 horas de um dia e não desejar que ao menos um segundo fosse diferente. Mas é fácil esquecer esses segundos, especialmente quando se quer guardar a lembrança de um dia como sendo bom.
Deitado naquela cama penso sobre todas as pessoas que encontrei e preferia não ter encontrado, a maioria preferia não ter que ver nunca mais. Mas é muito fácil não gostar das pessoas, pelo menos para mim, pelo menos nos últimos tempos. As pessoas sempre vão te dar muitos motivos para que você não goste delas. Às vezes você vai estar numa época em que nem vai perceber esse tipo de coisa. Outras vezes você não vai deixar o menor detalhe escapar. Às vezes eu tento lembrar a letra daquela poesia do James Joyce que o Syd Barret musicou. Outras eu penso nas pessoas que gostaria de ter encontrado naquele dia e não encontrei, mas sempre existe a chance de nos encontrarmos nos sonhos, não é mesmo? Ou amanhã, mas o amanhã sempre parece mais traiçoeiro e menos mágico do que os sonhos. Sonhar com alguém não é muito diferente de dormir com alguém, só é mais intimo. E, segundo Freud, tem significado.
Naquela mesma cama, e com a mesma cabeça no mesmo travesseiro penso nos lugares que quero conhecer, e o que gostaria de fazer neles. É como sonhar, só que até esse momento eu ainda não consegui dormir. Penso em como deve ser andar pelas ruas de Londres, mas a Londres que conheço não existe mais, não existe a pelo menos cem anos. Penso em tomar um café no Blv. St. Germain, mas o café que conheço lá já deve ter falido antes dos nazistas terem invadido a cidade. Penso em como Clara Schumann tocaria piano até que eu conseguisse dormir. E depois disso talvez deitasse ao meu lado, talvez trazendo com ela o marido.
Penso em como vou ser daqui a vinte anos. Nunca mais do que isso, me amedronta pensar que posso estar aqui depois disso. Penso se alguém estará pensando em mim naquele momento. Mas não, já é tarde, todos devem estar dormindo. Pensando nisso afasto meu travesseiro, algumas noites jogo ele no chão ou em algum outro lugar. Tenho uma teoria de que enquanto conseguir pensar e lembrar do que estou pensando o sono ainda está longe. O sono não gosta de mim, mas eu gosto dele, todas as noites espero por ele, todas as noites fico um pouco desapontado porque ele nunca vem. E assim se passam horas, as vezes dias, me revirando na cama, pensando em estórias que adoraria passar para ao papel. Mas aos poucos não sei mais o que acontece com essas estórias. Eu deixo de lembrar as coisas imediatamente depois que penso nelas – pelo menos é o que acho, se lembrasse disso a minha teoria estaria já provada errada. Quando de repente acordo, sem nem mesmo poder dizer que dormi, apenas que cansei de esperar.
Mas, ainda assim, todas as noites deito e tento, e espero o sono enquanto penso no mundo que já não vi muitas vezes e nas pessoas que não estão pensando em mim. E nenhuma manhã – pois foram as manhãs que Bob Dylan reservou para o sono quando as criou – faz com que eu me arrependa.