segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Éowyn nos campos de Pelennor

um tom cristalino cavalga o vento e alcança 

nossos ouvidos e corações:

eu creio, meu irmãozinho, nessa promessa de um mundo novo:

um que surgirá não apesar dos pequeninos

nem por cima de seus cadáveres;

mas sim de seu trabalho e de sua canção.


a escuridão que ainda há não passa do pânico do velho mundo dos homens

que estrebucha ferido, 

podre, 

moribundo


mas olhe para suas mãos, irmãozinho, e olhe para meu rosto

já não somos homens

terça-feira, 2 de novembro de 2021

heptálogo para o dia de finados

1.

fazer, sim, sempre que possível

mas só fazer amorosamente

em cada guardanapo dobrado

em cada centímetro escavado

em cada palavra, em cada lavra

fazer sensível o amor que transborda


2.

nada vale a pena ser feito se não for amando

nada existe que não valha a pena ser amado

nada é, no fim, errado o suficiente para o amor


3.

se eu não tivesse o amor, não é que eu não seria nada

não

mais importante que isso: não valeria a pena

as pestes, a guerra, a fome, a morte, os lobos e os homens,

isso tudo seria demais para meu coração

que é pequeno como um passarinho, e se machuca tão fácil


4.

o amor não me protege de nenhuma dessas coisas

que pode um passarinho contra a guerra? 

contra a morte? 

contra os homens?

mas se eu amo, o que eu sangro é outra coisa

 

e as lacerações e feridas que me impõem 

as pestes, a fome, os lobos,

não me esvaziam mais de mim, pois o que transborda de mim

não é meu sangue, não é meu medo,

não é nada que seja meu: é o amor

 

escorre de mim como mel, 

limpa minhas feridas - mesmo que elas continuem doendo

o amor não faz nada parar de doer

é vão amar com esse objetivo

como é vão viver imaginando que não há nada que doa


5.

viver apesar da dor, viver porque dói

só pode amar genuinamente quem dói

por suas próprias feridas e pelas dos outros


6.

deixar-se machucar: não para o prazer dos sádicos

mas em solidariedade aos que estão machucados

dividir com eles o peso das feridas

trocar uma cicatriz por outra, pois

em dois corações uma cicatriz dói menos que em um só


7.

é um século cinzento e eu entendo

que as pessoas graves queiram vir torcer o nariz para um poema sobre o amor

(ainda mais um amorzinho assim tão pequeno,

e que escorre tão devagarinho)

você é o que? carolas? brega? escritora de autoajuda?

eu não posso fazer nada, terei que responder

às vezes disfarço, mas às vezes não

só posso escrever o que escorre de mim

e hoje é isso