sexta-feira, 29 de julho de 2016

Os olhos do Rei

Os olhos do Rei eram amarelos, como os de minhas irmãs e os meus. Quando ele subiu ao trono, festejamos todos em nossa vila, e nas arredores, onde as mulheres e os homens tinham todos olhos amarelos e malditos.
Quando seus soldados de olhos negros e azuis nos vieram massacrar, era com alívio que sangrávamos.
Sabíamos que, do alto de seu trono, alguém chorava por nós.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Aproveita a calada da noite*
para desenterrar da bainha tua navalha

Sai pelas ruas
Estripa quantos dos porcos puderes

Toma cuidado, porém,
para não te aproximares de espelhos

(o impulso será irresistível,
e a pena para os suicidas é a danação eterna)







*verso descaradamente roubado do "Mania" de Mariana Félix

terça-feira, 12 de julho de 2016

Uma guerra em quatro parágrafos

Exumaram o cadáver do velho, aquele que foi torturado e morto em um campo de concentração. Cobriram sua pele deteriorada com camadas de borracha e silicone. Pintaram seu corpo de um tom suave de rosa, e avermelharam suas bochechas e a ponta do seu nariz. Colocaram duas bolas coloridas de gude em seus globos oculares, e apararam e pintaram suas barbas e cabelos e unhas.

Vestiram seu cadáver com uma elegante farda, e convidaram seu cadáver para jantares elegantes, onde teve a honra de conhecer os cadáveres mais ilustres.

Espetaram eletrodos em suas orelhas e em sua nuca, para que, pela aplicação de choques muito bem calculados, lhe fizessem mover os olhos, as pregas vocais, a boca e, com uma carga um pouco mais alta, mesmo um dos braços.

Hoje tem seu próprio programa na televisão, no qual declara as maravilhas que a medicina imperial fez por si e por seu povo desde que foram conquistados.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Culinária

Cozinho seu corpo
Na gordura dos corpos de seus pais.
Em sinal de protesto você
me dá uma panela nova.