quarta-feira, 29 de junho de 2011

A solidez da lâmina é mais bela
Que a aspereza da areia.
O ferrão
É mais sincero que a teia.

Não nos esqueçamos que os desejos,
e as tempestades,
Parecem revirar moinhos e mundos e corações
Mas
No fim das contas
São só mais um pedacinho do verão.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Pessoas e lugares.

Ele estava na cozinha. Algumas panelas no fogão e luz da manhã entrando pela janela. Estava fatiando alguma coisa que ela não conseguia ver o que era.

Ela estava a alguns passos de distância, sentada à mesa, vestindo apenas uma das camisas dele. Estava daquele jeito porque isso a fazia sentir como em uma cena de filme. Talvez uma comédia romântica, gênero do qual ela não gostava muito, mas talvez de um drama, e ela adorava dramas.

“Isso parece uma coisa tirada de uma das minhas estórias”, ele falou. E ela percebeu que era verdade.

“Duas pessoas, um lugar pequeno… Não dizem que os melhores escritores são aqueles que conseguem aproveitar bem pouco personagens ao invés de ficar criando vários para preencher lacunas?”

“Acho que é verdade, mas duas pessoas nem sempre são pouco, especialmente para um conto ou algo assim”.

Uma pequena nuvem de vapor começou a se formar, e ela conseguia sentir o cheiro de café. Sorriu.

“Mas nas suas estórias as pessoas sempre são silenciosas, e nunca é tão claro quanto hoje, é sempre tarde, ou uma manhã cinzenta….”.

“Hahaha, é verdade, eu não sou muito bom em fazer as pessoas falarem, sempre acho que fica artificial quando eu tento, e eu prefiro o cinza”

Podia ser verdade, mas, se fosse, ela não conseguia entender o porquê dele ter janelas tão grandes. Grande parte de uma das paredes da cozinha era uma grande vidraça, quase com o uma parede de vidro. O céu estava azul e o Sol entrava sem nenhuma interrupção. Na sala havia uma parede parecida, e uma grande varanda na entrada. Mas no lugar onde ele escrevia era sempre cinza, na melhor das hipóteses. Pela casa também havia pelo menos uma vitrola velha e dois aparelhos de som mais modernos, que além de tocar vinil também aceitavam CDs e MP3. Quando ela o conheceu, e mesmo quando conhecia apenas o que ele escrevia, já imaginava os rádios, e também os livros por toda parte, mas nunca teria pensado nas janelas. Nas estórias dele os quartos e as casas sempre falavam muito sobre as pessoas, agora ela ficava imaginando o que as janelas diriam sobre ele.

Ele colocou uma xícara de café para ela e voltou a se concentrar em fatiar seja lá o que fosse. Ela não gostava tanto de café, não tanto quanto ele, mas gostava das xícaras grandes, arredondadas. Ela havia ficado muito feliz quando ele escreveu uma linha rápida em uma das estórias sobre essa mania dela.

Eles tinham se conhecido alguns anos antes, quando ele ainda não era um escritor de verdade, mas por algum motivo ela já tinha lido coisas que ele tinha escrito. Mas não foi realmente isso que o impressionou, ela era muito mais artista do que ele, de corpo e alma, e não conseguiu não ficar encantado por isso. Compartilhavam algumas manias, apesar de terem muito mais diferenças do que semelhanças, mas se davam bem o suficiente um com o outro para evitarem ir para a cama depois de um tempo.

“Não fique aí sem falar nada, o que você está fazendo? Você tem planos para hoje?”

“Estou deixando algumas coisas meio prontas para mais tarde, vou ter que escrever, lá na editora já estão me enchendo o saco.”

Ele sempre ficava um pouco nervoso quando os prazos estavam acabando, mesmo que ainda faltasse um tempo e não estivessem realmente tão preocupados assim com ele. Ela se levantou e foi ajudar, aproveitando para comer um pouco das coisas que ele esquecera de coloca na mesa quando serviu o café.

“Você devia voltar para a cama. Você escreve melhor descansado, e à noite. Se você quiser amanhã de manhã venho aqui ver como você está e te empurro para a cama. Ah, e vou passar na livraria mais tarde, se quiser posso te trazer alguma coisa.”

“Não, acho que tenho tudo que vou precisar aqui, muito obrigado. Não falta muito para acabar, queria terminar cedo para tentar te ver mais tarde na galeria.”

“Hahaha, você não vai conseguir terminar hoje, e não precisa se preocupar com a galeria, você pode ir outro dia.” Ali, lado a lado, se beijaram. “Devíamos fazer um filme sobre nós”.

“Um filme não, não tem emoção suficiente para um filme, mas talvez uma história…”

sexta-feira, 17 de junho de 2011

As Fantabulosas Aventuras do Mágico

“Isso, Majestade, venha aqui, por favor” o Mágico e mais quatro seguranças do tamanho de gorilas ajudavam a Rainha a descer do camarote até o palco. “Não, não, preciso que você fique com a coroa… Isso. Agora entre nesta porta.”

Eram duas grandes caixas vermelhas, separadas uns dois metros uma da outra. A Rainha entrou na da direita, o Mágico, na da esquerda. Em menos de três segundos ele saiu, ao invés da cartola, a Coroa Real na cabeça.

Os nobres aplaudiram efusivamente, apesar da quebra do protocolo. Mal podiam esperar pra ver Sua Majestade com um chapéu sem qualquer tipo de pena ou pedra preciosa.

“Vocês vão observar agora,” disse o Mágico alegremente, enquanto abria a outra caixa “que sua Rainha não está mais aqui!”

E era verdade. Caixa vazia. Todos assustados. Uma moça desmaiou na platéia, e pelo menos dois monóculos foram ao chão. “Em três dias, quero entregues em meu cofre na suíça um bilhão de libras esterlinas, Kate Beckinsale, um fio de verdade da barba do Sean Connery e a Cornualha, ou vocês nunca terão sua Rainha de volta!”

Disse isso e desapareceu.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Soneto à Anônima versejação

Úmida folha em chão seco de mitos
Basta um só vento que longe te leve.
És carne, és sonho, idéias e neve,
Campo de sonhos ainda inauditos.

Fosse eu dos grandes poetas peritos,
Far-te-ia a rimas, precisas e breves,
Para dizer-te “Oh, folha, releves!,
São campos secos, mas ainda bonitos”

É, porém, rouca e pueril minha musa:
Falta sentido e paixão duradoura,
Mata-me a idéia uma vírgula intrusa.

Queria ser qual tú, encantadora
Plena da arte que a nada recusa,
Úmida folha de Anônima autora.