quinta-feira, 7 de julho de 2011

Pessoas e o tempo.

Se não tiver lido os textos que antecedem esse, primeiro leia isso e então esse aqui. Os próximos não vão ter imagens tão melosas, prometo.
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Quando os dois acordaram estava nevando.
Nunca nevava. Ela adorava a neve, e isso só fez com que a sensação de estranheza aumentasse ainda mais. Quando eles se conheceram estava nevando, mas aquilo fora muito, muito longe de onde eles estavam hoje, outro mundo, outra vida. Ultimamente, sempre que entrava naquela casa as coisas pareciam estar certas, e isso a deixava com medo. Tudo estava certo, mas estava menos humano. Ele parecia distante. Nem conseguia ter certeza do que achou de ir para a cama com ele naquela manhã, exceto que pareceu certo, pareceu perfeito.
Três anos antes, quando se conheceram, numa exposição, por intermédio de amigos em comum, nunca imaginaram que fossem estar compartilhando a mesma cama tanto tempo depois. Eles sabiam que iam compartilhar naquela noite, mas pouco mais do que isso.
Não era uma exposição dela, ficaram em um dos cantos conversando e fazendo piadas sarcásticas das tais obras de arte. Ela estava fazendo uma grande viagem, uma forma de buscar inspiração em vários lugares do mundo. Ele era daquele pedaço de lugar nenhum. Se deram bem, afinal é isso que importa. Dois dias depois ela continuou na viagem, ele ficou.
Só foram se ver novamente alguns meses depois. Ela tinha parado de viajar e ele foi atrás da única editora que demonstrou algum interesse no que escrevia. Ela ofereceu uma cama para ficar, a cama dela, contanto que não por muito tempo; ele logo achou um lugar para ficar, nada comparado com a casa que morava hoje, mas nem por isso ruim. Só quando seus livros pareceram interessar um grupo de pessoas esquisitas é que conseguiu uma casa melhor, e deixou de lado as preocupações em correr atrás de editoras, agora tinha que correr atrás dos prazos. Nunca ficou grande o suficiente pra precisar de assistentes, nem teve crises criativas que ela não o ajudasse a ultrapassar.
Quando finalmente conseguiu essa casa eles já tinham plena consciência que estavam em um tipo de relacionamento, mas até hoje não sabem exatamente que tipo é esse. Se veem quase todos os dias, exceto quando ela tem que viajar, ele raramente faz tours. Mas o tempo que passam separados nunca foi um problema, pelo contrário, sempre lidaram bem com isso, como sempre lidaram bem um com o outro.
A impressão que ela teve naquele momento foi exatamente que precisava de algum tempo longe dele.
Ele tinha acordado antes dela, mas ainda estava ali na cama, com cara de sono e olhando para a neve. Ele gostava da neve, e ela não sabia se era porque aquilo o lembrava de casa ou simplesmente porque era neve. Ele não gostava do lugar onde tinha nascido, pelo menos não gostava mais do que de onde morava agora, mas ela sabia que as pessoas podem ser bem irracionais sobre essas coisas.
“Bom dia” Ele falou sorrindo quando finalmente tirou os olhos da janela e percebeu que ela tinha acordado.
“Bom dia” Ela respondeu se sentando na cama. “Não nevava a muito tempo.”
Ela percebeu o quanto ele se distraía com aquilo pela forma que ele respondeu, muito mais desligado do que de costume. “É verdade, nem me lembro de quando foi a última vez que vi neve”.
“Eu nunca tinha visto até o dia que nos conhecemos”. Aquilo chamou a atenção dele, quase como se ele tivesse esquecido daquilo, quase como se ele não fosse o mais sentimental dos dois.
Depois de uma pausa ele disse, se levantando da cama: “Tenho que escrever”.
“Mas já? Você acabou a pouco tempo, já mandou para a editora? Ou vai revisar?”
“Você sabe que eu nunca reviso, mas a neve me inspira, você podia vir comigo”. Ele respondeu sorrindo.
Ele colocou música para tocar e ela se deitou no colchão enquanto ele se sentou frente à mesa e começou a datilografar.
“Você teve alguma ideia nova?” Apesar de não dar para ver a neve daquela janela, estava frio, ela se enrolou com centenas de cobertores e não esperou que ele respondesse, mas aparentemente ele estava mais conversador do que de costume.
“Não exatamente. Mas lembra quando você me falou que as minhas estórias estavam começando a parecer com a nossa vida? Não gosto disso, quero mudar, quero provar, para mim mesmo, que minha criatividade não se limita às coisas que eu conheço”.
“Entendo, para mim é muito diferente, eu simplesmente expresso o que sinto, você além de fazer isso tem que encaixar uma história”.
“Não sei se é tão diferente assim, a história geralmente vem das próprias emoções que tento expressar. O problema é que, por mais que seja infinita a quantidade de estórias para cada coisa que se quer expressar, não gosto da ideia de estar sempre escrevendo sobre as mesmas coisas”.
Ela sabia daquilo, era provavelmente a coisa na qual mais se assemelhavam, nenhum dos dois gostava de ficar preso para sempre às mesmas sensações. Aquilo a fez pensar em como as coisas entre eles estavam durando muito, ela nunca esperou que fossem demorar tanto. Ele, agora, dizia que sempre imaginou que o que havia entre os dois era algo muito grande. Ela não achava que ele realmente acreditasse nisso, mas quando ele dizia esse tipo de coisa não conseguia conter um sorriso.
Agora ele já havia cansado de como esse tipo de coisa se refletia na arte dele. E ela tinha medo que isso quisesse dizer que ele estava se cansando dela. Na realidade ela nunca pensou que ele pudesse se cansar antes dela. A música havia acabado e ela dormiu com o som dos tipos no papel, dormiu pedindo para que quando acordasse não estivesse mais apaixonada.

2 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns! gostei muito do jeito que voce escreve! :D
bem atual, sem erudições desnecessárias, e mesmo assim profundo.

Yuri disse...

Está meio amargo, meu querido, mas ainda é chocolate.