terça-feira, 11 de setembro de 2018

Volta Seca

não eu não sei o que que é sentir medo
sangrei homens maiores mais malvados
por homens mais maiores fui sangrado
e disso não fiz nem faço segredo

o sangue que derramo é meu brinquedo
e o pátio onde brinco é o gramado
de sangue todo rubro e salpicado
de cheiro ocre e de um tom azedo

recuso o que me há de fabiano
de ciço de baleia e conselheiro
amar os homens não é meu destino

o meu poema voa deste cano
é verso retamente cangaceiro
de amor para teus olhos, virgolino


terça-feira, 4 de setembro de 2018

[...]

Onde está teu nome, filho do Sol?
Soterrado em Amarna
Raspado de todos os pilares
e de todas as colunas
(as sagradas e as profanas)

Teus filhos não o dizem em voz alta
Recusam mesmo o que há de ti no nome deles

Quem te conhecerá? Que força se pode opor ao fogo
e ao tempo impiedoso? Que salvação pode esperar
do Sol um nome que não projeta sombras?

 
 

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

As cinzas cinzas de julho

por Glaucia L.W. Cortez

Você não é a seca, nem Agosto;
Você é o fim de julho que amarela
Pra ser depois a Phoenix que revela
Que as cinzas não saíram de seu posto

O voo interminável, não esqueço;
Podia ser papel, graveto, ou folha,
Mas nunca revelavam sua escolha
A que se oferecesse qualquer preço.

Quisera eu tirar as cicatrizes,
Aquelas que te ferem mais profundo,
Por conta das escolhas infelizes

E quando dou por mim, me vejo em ti:
O tempo que te ajusta nesse mundo
Eu sinto que é o tempo que vivi.

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

pasto amarelo amarelo no fim de julho

meu truque: eu sou a seca, não Agosto
e o peso de ter nomes se apequena
- mesmo que ainda persista algo de sina,
sou puro substantivo sem aposto

de tempo em tempo, é claro, eu me ajusto
e nesse movimento viro a cena:
em cada badalar que desatina
converto meu presente em entreposto

cercado em meu abrigo movediço
os cacos que me estilham se reerguem
pra, desestilhaçados, me fazerem:

um ser, se não coerente, inteiriço,
que as sombras do passado não perseguem:
eu sou as cicatrizes que me ferem

domingo, 15 de julho de 2018

o farol

eu não sou obrigado a enxergar os suicidas:
sua luz rompe a escuridão da noite
não é implícita como a dos outros mortos
não, não sou obrigado a nada disso:

desloco meus espelhos na medida do possível:
resta apenas o pálido reflexo
do reflexo
a noite se deixa ferir pela sua luz inevitável
mas eu, que sou vivo, me protejo

camadas de vidro, prata, óculos e dióxido de carbono:
temos escudos bastante eficientes, dadas as circunstâncias

então é isso: não sou obrigado a enxergar nada dessas coisas:
pedintes, mulheres, abutres, líquidos fedidos nas calçadas, que certamente são urina, líquidos cristalinos na calçada, fontes no meio do deserto, que certamente são urina
mas especialmente
não sou obrigado a enxergar os suicidas
nem nenhum dos mortos
nem os moribundos
nem os velhos, ou os que se preparam para envelhecer

é questão de se deslocar no assento, abaixar um pouco a cabeça, modificar a posição dos espelhos, fechar os olhos

ainda não se inventou uma luz que perfure nossas pálpebras:
se algum dia for inventada, será proibida

sábado, 3 de fevereiro de 2018

: esse deserto

a água em que nadamos: um deserto
meridional, diamantina e pura
em nós retransbordando sua secura
nos convidando pra morrer mais perto

a água em que nadamos: um deserto
um mar de areia sílica que fura
e que ao final de si promete a cura
das chagas que ela mesma tem aberto

nadamos de braçada e é incerto
se rumo a um oásis ou à agrura
de uma água mais maior e mais escura
e mais onipresente e mais deserto

a água em que nadamos: um deserto
molhar-se ou não molhar-se é igual tortura






domingo, 7 de janeiro de 2018

uma faca enfiada no baixo ventre arrastada até a garganta tão alto quanto possível: essa é a mais pura entre as relações humanas. é conveniente, para uma amizade mais bonita, que a faca esteja um pouco cega