domingo, 28 de julho de 2013

Sobre Como Correm os Anos (pt. 1)

Já nem lembro mais

Quanto tempo faz

Des’que seu nome

Se tornou pra mim

Um Amuleto

Um ano ou

Dois ou três.

Como se fosse

Me dar sorte,

Me fazer esquecer

O medo da morte.

 

Sempre que as luzes

Apagam

Ou me sinto

Sozinho,

Penso em seu nome,

Letra por letra

E melodia;

Um mantra,

Uma harmonia.

 

Pra você

Não faz diferença,

Nem lembra.

Mas hoje é um dia

Importante para mim,

E seu nome,

É a única coisa de ti

Que ainda posso

Carregar em mim.

 

Melhor seria

Que houvesse escrito

Um poema longo

Sobre como

Os anos passam rápido

Mas cometo

Um poema curto

Curto demais

Pra caber tudo

Aquilo que um ano

Conseguiu deixar pra trás;

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Tríptico

Eu simplesmente havia esquecido que os orelhões existiam até que você me fizesse lembrar. Acho que essa deve ser uma daquelas coisas que acabam entrando sob nossas peles, seja por simples hábito ou por determinação social. Ou seja, não esqueci que as pessoas precisam de telefones públicos, simplesmente esqueci que eles existiam. Isso é, até ver você usando um deles. Aquela não foi a primeira vez que te vi, é verdade, mas acho que poderia muito bem contar como tal. Eu já tinha te visto. E você, provavelmente, já tinha me visto também; afinal, estávamos sempre nos mesmos lugares, nos encontrávamos ao menos uma vez por semana, sempre mais por acaso que por destino.

Eu estava conversando com algumas pessoas, pessoas que nem sequer eram próximas de mim o suficiente para serem amigas. E, no espaço entre as duas, via você mais à frente. Assim como todos os nossos encontros antes, foi mais por acaso que por destino que nos vimos. E isso me pareceu bom, já estava cansado demais do destino, das coisas que tinham que ser, das coisas que simplesmente eram e que não podiam ser ignoradas. Ouvi a tua voz, enquanto falava no telefone. Já a tinha ouvido antes, de longe, mas nunca tinha percebido como era doce. Não entendia o que dizia, mas entendia que era doce, e que era assim naturalmente, que não era uma situação. Meus amigos – não aquelas pessoas com quem então estava conversando, mas meus amigos de verdade – me diziam que eu tinha um fraco por vozes feias, especialmente as muito agudas, as que davam a impressão de estar prestes a quebrar. A sua não era assim, não era rígida o suficiente para quebrar, não era vidro, era algo mais líquido, mas viscoso. Como mel, ou como gozo.

Antes mesmo de seus olhos encontrarem os meus, você sorria, provavelmente para a pessoa do outro lado do telefone, aquela pessoa que infelizmente não podia ver aquele sorriso. Era um sorriso quart-bird-drawing-glasses-hipster-owl-Favim.com-63324e seria difícil de se apreciar, era um sorriso muito diferente do que se espera encontrar em alguém com vinte e poucos anos. Era um sorriso difícil. E talvez por isso era um sorriso que me agradava. E então nossos olhos se encontraram. E eu olhei fundo naquelas profundezas protegidas por aros grossos. E você desviou o olhar, claramente envergonhada, e continuou sorrindo para o telefone.

Pouco depois, com você ainda ao telefone, meus olhos acabaram por voltar a vagar até você. E dessa vez era eu o observado, e dessa vez foras os meus olhos que fugiram com vergonha. E foi então que eu soube.

***

Meus amigos, aqueles mesmos que diziam que eu costumava gostar de vozes feias, também costumam dizer que, quando me apaixono por alguém, não consigo ver os defeitos daquela pessoa. Eu não discuto, pois não faz muito sentido discutir esse tipo de coisa, no fim as ideias que as pessoas fazem de nós são tão difíceis de mudar que chega a valer mais a pena simplesmente se utilizar delas como instrumentos. Existem algumas – embora não tantas quanto eu gostaria – vantagens de ser visto como um idiota romântico. Especialmente quando se quer ser um artista. Quando as pessoas te veem desse jeito, elas imprimem uma perspectiva diferente às coisas que você escreve, ou ao menos às suas ambições.

Mas, o que quis dizer é que não é verdade o que dizem. Ao menos não exatamente. Não deixo de ver que alguém tem defeitos quando me apaixono por essa pessoa. Assim como não é uma questão de qualidades o fato de gostar ou não de alguém. É simplesmente que, quando se está apaixonado, esses defeitos, assim como as qualidades, não fazem diferença. Não existe paixão por características. Não se gosta de alguém porque aquela pessoa é inteligente ou divertida ou bonita. A paixão vem do simples fato de aquela pessoa ser quem ela é. Não importa se ela gosta de trident ou tic-tac, de folk ou jazz. Não importa se é madura ou infantil, loira ou morena, lê Dostoievsky e vê filmes iranianos ou lê Cinquenta Tons de Cinza e vê Tim Burton. Só importa se é ou não a pessoa que você quer. E, quando é a pessoa que você quer, você entrega sua alma. Um poeta da minha terra certa vez escreveu que “só é seu aquilo que você dá”. Como um beijo. Como a sua alma. É por isso que paixão é um exercício espiritual, e não físico. Não se pode dar um corpo, um corpo não pode pertencer a ninguém; não segue nenhuma norma de conduta, nenhuma moral. A não ser, claro, o desejo.

***

Descobrir coisas novas guarda um prazer muito específico. Talvez isso seja só para algumas pessoas, ou outras simplesmente tenham coisas mais interessantes em suas vidas para darem tanta atenção assim a algo tão simples, mas para mim é assim. Descobrir novas bandas, novos livros, novas formas de extrair pequenos prazeres de todas as situações e todas as dores, mas dentre todas as descobertas, as que tem uma dimensão mais mística, mais especial, provavelmente é a de descobrir lugares novos. Acho que por isso tantas pessoas gostam tanto de viajar, essa é a forma mais óbvia de se fazer isso. Quando viajamos temos a chance de viver, mesmo que por pouco tempo, imersos em um mar de coisas novas, todos os rostos que encontramos nas ruas são novos, todos os sons são mais ou menos alienígenas, e todos os lugares, claro.

Mas viver em uma cidade como São Paulo, enorme e caótica, significa ter ali, ao alcance da mão, um número inimaginável de lugares novos para se conhecer. Não quero dizer que isso substitua o prazer da viagem, mas simplesmente que podemos experimentar esse prazer da descoberta já onde vivemos. Não que seja um trabalho fácil, porque não é. Fácil é nos conformarmos a uma rotina, aos mesmos lugares todas as vezes. Coisa quase inevitável, especialmente se considerarmos que, mais cedo ou mais tarde, alguns lugares acabam se vinculando aos nossos sentimentos. Você certamente tem um café ou uma sala de cinema que significa muito para você, assim como eu. Talvez sejam até mesmo os mesmos lugares. E é por isso que não raras vezes alguns lugares mágicos parecem se esconder bem debaixo de nossos narizes; nos acostumamos demais a certas coisas.

Talvez seja uma coisa minha, mas tenho o costume de relacionar lugares a pessoas. Certos lugares se atrelam vivamente às memórias de alguém que chega a ser difícil dissociar as coisas. E talvez por isso seja tão importante para mim que novas pessoas sejam relacionadas a lugares novos, relacionar um único lugar a muitas pessoas gera uma confusão emocional muito grande; embora, deva admitir, que já fiz isso mais de uma vez.

E é exatamente por isso que o que aconteceu com você tem um valor maior do que eu poderia esperar. O meu inconsciente deve, de alguma maneira, ter achado que isso foi algum tipo de sinal. Mas mesmo minha consciência não está tão certa de não ter sido. Afinal, se existem lugares que se escondem sob nossos narizes, aquele era o mais óbvio deles. Eu nunca imaginei que existisse uma livraria ali, e, certamente, não uma livraria tão interessante. É uma livraria pequena. Ou melhor, estreita, o que faz com que as prateleiras se coloquem de forma a aumentar o espaço útil, o que causa uma primeira impressão de confusão, de estarmos perdidos num labirinto de livros. O que faz com que eu e você tenhamos um lugar onde ninguém pode nos ver, ali na seção de filosofia. Você olha para as prateleiras, fingindo procurar por algo e eu olho para você, e estaria mentindo se dissesse que o meu olhar também não parecia procurar algo. E então você se vira para mim e me olha com aquelas profundezas contidas pelos aros pretos, como se me olhasse pela primeira vez. E sorri, sorri com doçura. E meus dedos se enlaçam com teus cabelos de um castanho-claro violento e cheio de dúvidas. E teus lábios são doces, tão doces quanto podem ser, e parece que um pouco daquilo se transmite pra mim. Não posso dizer que já tenha me habituado a teus beijos doces, mas é doce o esquecimento que me trazem, e amarga é a saudade. É doce esquecer. E você se curva, e eu te levanto até que sente numa das prateleiras. Provavelmente sem que você mesma perceba, sem que ninguém veja. Por que será que tem de ser sempre assim, sem que ninguém veja? Deve ser culpa minha, em algum nível, mas aquele não era o momento de se pensar nisso. Não era hora de se pensar no que fosse; afinal, se existe algum momento em que se perdoa a falta de pensamentos e ao se beijar alguém tão doce, numa livraria tão bonita, ao som de alguma coisa que deveria ser Chet Baker ou algo parecido (por que sempre toca tanto jazz nessas livrarias pequenas?). E ali vi tuas solas vermelhas, teu cabelo caindo de um dos lados do rosto de uma forma que parecia ser milimetricamente calculada, a calça de jeans escuro apertada, a blusa de listras brancas e azuis alegremente folgada. E então parar, ambos tentando respirar, mas apenas reutilizando o mesmo ar que já tínhamos respirado. E então parece ser hora de sair daquela pequena e aconchegante livraria e ir para outro lugar. Mas no caminho para fora, meus olhos se deparam com o livro novo do Gaiman. Que estive esperando chegar nas livrarias que eu já conhecia. Pareceu como um outro sinal. Queria ler aquele livro em inglês, mas achei que seria interessante comprar aquele, se não servisse como recordação ao menos serviria para que lesse quando voltasse para a minha terra natal, uns três ou quatro dias depois.

domingo, 7 de julho de 2013

A alergia de J.B.

J.B. aceitou o convite de sua amiga para jantar.
- Que delícia este peixe, o que você pôs aqui?
- Um pouco de alho, um pouco de manteiga - ela lançou-lhe uma piscada - um pouquinho de amor.
J.B. arregalou os olhos, tentou cuspir fora, foi hospitalizado.
J.B. era alérgico a amor.