domingo, 3 de julho de 2022

não é preciso ir longe para encontrar o monstro:

ele está logo aí, mais que teu vizinho

um inquilino íntimo do teu peito

quem sabe é ele mesmo que lê

ele mesmo é quem escreve

 

tu reconheces o monstro nas passagens mais sutis

no ponto entre uma faixa e outra da curva

na esquina da esquina

 

espelhos são desnecessários, nesse sentido

 

querer encontrar o monstro com um espelho é um erro que cometem os inexperientes

sim, o monstro está neles

além da íris, a sugestão do monstro fica visível em quase todos

os reflexos de quase todas as pupilas

mesmo a das crianças

 

mas, mas!, que deselegante querer assim procurar o monstro

mais bonito é encontrá-lo no gesto suave

no virar do rosto

na mão que segura a faca com

um pouco mais de força do que é preciso

no passo que hesita no

vão entre o trem e a plataforma 

na esquina, enfim, da esquina


o monstro, encontrado no fundo dos olhos, no olho d'água de um espelho

é muito mais assustador

muito mais difícil de amar


mas como não sentir carinho pelo monstro que percebemos

nos dedos que escavam nossas têmporas

na boca que toma com muita pressa a bebida quente

ou gelada demais


é preciso amar o monstro

(da forma oblíqua

na esquina, veja bem, da esquina)

para que ele não nos consuma