sábado, 24 de agosto de 2013

Adentrismos* I

"Porque os versos, a poesia e a fábula de Medeia soando pelo ar são certamente mais úteis que os cinco elementos do mundo em seus mil disfarces, conforme os cinco antros de trevas, que não existem, mas que matam a quem nele acredita." (S. Agostinho)

Tudo é representação. Você me contando como foi seu almoço, ou sobre a saúde da sua tia, está só me dizendo representações do almoço e da saúde da tia. O jornal falando sobre o acidente de ônibus está só falando representações sobre o acidente de ônibus, e é a mesma coisa quando aparece qualquer coisa lá sobre o partido tal, ou tais manifestantes, ou a velhinha de tal cidade que ganhou uma motocicleta no bingo. Meus ouvidos não ouvem nenhum barulho em si, mas meu cérebro percebe eles vibrando - ou acha que percebe eles vibrando - e representa alguma coisa que eu chamo de barulho.

Tudo é representação, e toda representação é imperfeita. Não tinha tanta cebola assim no seu feijão, e a sua tia ficar no hospital uns tempos não é tão ruim. Os pneus estavam velhos, eles não são tão corruptos, azul não é uma cor tão comum em máscaras e o sobrinho da velhinha era o dono. A luz entra de ponta cabeça no seu cérebro, e ele tem que representar em cima disso - e ele provavelmente vai errar. Ou, pelo menos, é assim que eu estou representando tudo isso.

Tudo é representação, e toda representação é imperfeita. O bacana da arte é que ela é uma representação imperfeita de propósito**.


*Forma particular de aforismo
**Exceto a dos naturalistas e coisa e tal, mas eles são bundões










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