Se você já leu algumas das outras coisas que escrevi, em vários lugares, já
deve conhecer pelo menos algumas coisas sobre mim, algumas coisas que sem dúvida
são extremamente dramatizadas pela minha necessidade de dizer algo que apele ao
que você sente, que signifique qualquer coisa que você possa entender de uma
forma que não cabe a mim explicar se não simplesmente falando para que você
sinta. Duas das coisas que você já deve saber sobre mim, é que sou
irritantemente sincero na maior parte do tempo e que não consigo chorar.
Mas a verdade é que tinha vontade de fazer poucas coisas além de chorar
naquele momento. Eu sei que vai parecer uma verdadeira hipocrisia frente ao que
acabei de lhe falar, mas naquele momento só queria chorar. E falar a verdade.
Falar a verdade que por algum motivo me escapava, falar a verdade que por algum
motivo tinha medo de falar. Medo, sim, e medo de alguma coisa que não consigo
sequer discernir mesmo como ideia abstrata. E, em geral, quando algo não existe
como ideia abstrata, para mim isso significa que isso não existe de forma
alguma.
Espero que você não tenha me entendido mal. Não é como se eu não mentisse, ou
não omitisse. Diabo, eu escrevo ficção afinal de contas, claro que eu minto. Mas
minto quando me parece divertido, quando me parece que causará uma situação
curiosa. Claro que nem sempre estou certo, mas até aí falo a verdade tendo como
principal propósito enraivecer as pessoas, ou pelo menos machucá-las, quando não
é possível deixá-las com raiva. Mas o fato é que me encontrava naquela situação
exatamente pelas mentiras e omissões, não por conta das verdades, e aquilo
parecia para mim como sendo o motivo para não me sentir bem. Obviamente não era,
a causa era outra, mas se eu não explicar a situação você nunca conseguirá tirar
suas próprias conclusões, não é mesmo?
Eu estava deitado, na mesma posição que costumo dormir sempre, com o rosto
virado para a esquerda (não para ela) e de costas para o teto. Nessa posição ela
conseguiu encontrar sem dificuldades a minha tatuagem “MEMENTO MORI” e a acariciou com a ponta de um de seus dedos
(não saberia dizer qual, e não me importaria menos). E foi nesse momento que o
peso veio aos meus olhos, que senti vontade de chorar. Chorar porque não era com
aquela pessoa que queria estar exatamente naquela noite. Porque tinha levado
aquela pessoa ali com mentiras, mesmo que pequenas, com algumas palavras
confortáveis e de uma segurança que eu mesmo não tinha e não poderia dar a ela.
Porque não tinha falado a verdade para outra pessoa, por medo, não sei nem mesmo
de que, como já disse; a despeito dos resultados. Não por acreditar que teria
dado certo, mas por ser aquela a coisa mais simples que nunca pensei que não
conseguiria fazer, falar. E não, não era medo de ser rejeitado, com isso estou
acostumado, seja com verdade, seja com mentiras. E não era medo de perder
alguém, nunca dei tanto valor a qualquer coisa no mundo a ponto de ter medo de
perdê-la (isso provavelmente é uma mentira, mas é uma mentira honesta, se
aconteceu, simplesmente não me lembro), nunca dei tanto valor à proximidade de
alguém. E me sinto tão burro, sinto vontade de chorar simplesmente por não ter
evitado criar uma pequena chance de ter outra pessoa dividindo a minha cama, uma
pessoa que realmente fizesse alguma diferença em estar ali, tocando a minha
tatuagem. Esqueci que vou morrer, e que cada vez o momento disso acontecer se
aproxima mais. Esqueci que por isso deveria ter falado, não deveria ter omitido
ou mentido. E venho esquecendo isso a tanto tempo, no que se refere exatamente a
essa pessoa, que não posso deixar de pensar que existe algo de errado aí. É como
se ela tirasse meu medo da morte.
Exceto, é claro, pelo fato que eu não tenho medo da morte. Não posso dizer o
mesmo sobre o que vem depois, especialmente para uma pessoa como eu, mas isso é
assunto para outra intervenção.
Meus amigos sempre caçoaram de mim dizendo que eu não devia querer
discutir Goddard na cama. Mas a verdade é que eu provavelmente -simplesmente- não quero mais
ficar em silêncio na cama. Ou pior, discutir coisas das quais não gosto. Eu
sempre respondi para eles que era provavelmente isso que eu procurava em alguém
quando me apaixonava, alguém com quem pudesse conversar sobre coisas que eu
gosto (não, não. na verdade, sobre tudo que passasse pela minha cabeça) e ainda
assim quisesse fazer sexo com essa pessoa. E, claro, dizia também que não via
problemas em juntar as duas coisas. E não tinha nada que quisesse conversar com
aquele pessoa que estava do meu lado naquele momento, nada que não incluísse um
dose extremamente grande de palavras vazias para gerar conforto, ou algumas
risadinhas, nem mesmo nada sobre o que eu pudesse ser sincero para com ela.
Simplesmente ficava ansioso para a próxima vez que teria uma conversa que me
deixasse alegre ou simplesmente mentalmente excitado, agora que a excitação
física já não dizia muito.
Novamente eu tenho que pedir para que não me entendam mal, para que não achem
que quero chegar a algum lugar falando isso, pois não quero. Quando perguntaram
a Beckett o que ele queria dizer com “Esperando Godot”, ele simplesmente disse
que não sabia, se soubesse teria falado isso na maldita peça. Nem por isso Godot
perde seu significado, muito pelo contrário. Virão aqueles entre os que me leem
que pensarão que estou sendo prepotente citando Beckett. Se vocês pensam assim,
por que leram tudo isso? Nunca mais leiam nada do que eu escrever. São as mesmas
pessoas que devem se sentir ofendidas quando sou irritantemente sincero (pois não
é nada além disso que acabei de ser agora) e me divertem tanto. E, sinceramente,
não me importo nem um pouco se você se ofendeu com qualquer coisa que leu aqui
(seja pela falta de sentido ou pelo que for), mesmo que você seja a pessoa que
acariciou minha tatuagem enquanto me fazia perceber que nunca sentiria nada por
você, nada de especial, ao menos.