Realmente acho que todos os textos da série  “pessoas e …” podem ser lidos separadamente, mas em conjunto eles devem fazer  muito mais sentido: primeira  parte, segunda  parte e terceira  parte. Essa série foi uma tentativa de fazer uma coisa um pouco diferente do  que eu geralmente faço, mas acabou não ficando tão diferente quanto eu esperava.  Vou fazer mais estórias para esses personagens, eles são genéricos o suficiente  para render muitas coisas para o blog, mas os outros vão ser completamente  independentes, então esse é provavelmente o fim de uma pequena  estória. ***
Ela não demorou muito para acordar, afinal,  já tinha dormido bastante, não a muito tempo. Ele ainda estava escrevendo. Ela  levantou e lhe beijou os cabelos, ele quase não percebeu. Ela foi andando  calmamente para a sala. Colocou outro disco para tocar e sentou no grande  sofá que ela mesma tinha escolhido, olhando pela janela. Já tinha parado de  nevar, lá embaixo, na rua, provavelmente seria bem difícil saber que tinha  sequer nevado mais cedo, o Sol, apesar de tímido já devia ter derretido tudo,  não fora nenhuma nevasca afinal de contas.
Ela se sentia muito idiota naquele momento.  Não entendia como ficara tão apavorada mais cedo. Não era pessoa de perder o  controle, não importando como ou quando. E especialmente não era pessoa de ficar  aflita sem nenhum motivo real, só com medos que não tinham fundamento, medos  infantis. Não conseguia entender como aquilo podia ter a amedrontado. Se sentia  como se por alguns momentos tivesse perdido o controle sobre o que era e o que  queria. E não soube realmente dizer se aquilo era uma coisa boa ou  ruim.
Ela ficou ali, pensando nisso até  finalmente conseguir espantar as ideias de sua mente. Já estava anoitecendo  quando ela foi para a varanda, simplesmente olhar as cores do céu e pensar no  mundo. Gostava das cores do começo da noite ainda mais do que das cores do fim  da tarde. Pensava em todas as coisas que aquelas cores significavam para ela; o  carmim que se arroxeava e o azul, cada vez mais escuro conforme se aproximava  das estrelas. Ela ouviu quando ele se aproximou, por mais que estivesse perdida  em pensamentos. Ela o ouviu enquanto ele trocava o disco, mas não olhou para  trás, não tirou a atenção das estrelas, não queria voltar aos pensamentos que  tinha afugentado mais cedo. Ele ficou ao lado dela, sem realmente falar coisa  alguma. Ela sabia que ele não estava olhando para as estrelas como ela, mas sim  simplesmente ouvindo a música, mas também pensando, sem dúvida, talvez até mesmo  em coisas parecidas, mas isso ela nunca ia saber, e gostava das coisas assim.  Uma coisa que ela sabia é que ele nunca começaria uma conversa naquela situação,  ele nunca atrapalharia quando soubesse que ela estava pensando, então a tarefa  ficou para ela.
“Então você decidiu escrever alguma coisa  diferente… fantasia?” Ela conhecia ele o suficiente para estar quase certa da  resposta mesmo enquanto fazia a pergunta.
Ele sorriu, estava esperando que ela  falasse. “Não, acho que vai acabar sendo um policial, mas ainda não tenho  certeza”. 
Foi a vez dela sorrir. Estava surpresa; os  dois sabiam que ele não era bom em deixar os leitores em suspense. Ele escrevia  coisas que revelavam, não que ocultavam. Mas saber isso a deixou um tanto feliz,  por mais que não soubesse dizer o porquê. Mas agora era a vez dele falar, e ela  conseguia sentir que ele tinha algo para falar.
“Sabe, com o livro novo eu vou ter que  passar alguns dias fora”. Ela não entendeu imediatamente onde ele queria chegar,  então esperou que continuasse. “Eu não vou te pedir em casamento ou algo assim,  mas você podia aproveitar esses dias e trazer suas coisas para cá, mudar um  pouco a casa, talvez”.
Aquilo a deixou realmente surpresa, e  percebeu que estava se surpreendendo muito nos últimos dias. “Mas o que você  quer dizer com isso? O que você acha que isso vai significar para nós? O que  vamos fazer sobre ver outras pessoas? E…”
Nesse momento ele a interrompeu, e ela não  sabia exatamente se ele estava respondendo ou simplesmente cantando com a música  de fundo quando disse “I Don’t mind, if you don’t mind” e se afastou sorrindo,  mas ela sabia que aquela seria toda a resposta que teria, pelo menos por  enquanto.
E ela continuou lá, olhando para o céu que  agora estava completamente escuro, com pontinhos brilhantes e sem lua. E ela não  conseguiu se impedir de pensar em como seria as coisas daquele momento em  diante, não conseguiu se impedir de ficar curiosa. Parecia uma coisa nova, e ela  percebeu que gostava de ser surpreendida.