quarta-feira, 16 de junho de 2010

Talvez um conto

Não faço idéia do que seja isso. Na hora, parecia uma boa idéia:

"Tirava a poeira de sua arma enquanto o cavalo seguia preguiçoso pela estrada de terra molhada. Era herói profissional já há muito tempo, o certificado e a licença estavam no alforje, e por mais que a calça e a camisa e mesmo o chapéu pendessem moles e desanimados, sujos com a poeira de estradas anteriores, sabia da importância de uma pistola lustrosa.

Pois os homens só lhe olhavam a roupa quando a arma não estava na mão, e as mulheres não olhavam mais pra heróis depois que eles passavam da idade de ficar rico. Já havia passado há um bom bocado de tempo da idade de ficar rico. Mas o que sempre amara de verdade não era dinheiro ou mulher. Era a estrada. Ficar sozinho em viagem é uma paixão que pega rápido, pr’os que têm disposição.

Cercada de árvores que era a estrada, lançou um olhar lento e fundo na direção do barulho que ouviu vindo do verde mais úmido. Um chlap-chlap cadenciado, obediente. Outro cavalo, menos empreguiçado que o seu, vindo de o que? Uma trilhazinha, sim, era o que lembrava, ia cruzar com esta estrada mais pra frente.

O mundo insistia em o fazer encontrar-se com pessoas diversas nesses cruzamentos entre trilhazinhas e estradas. Na última dessas a cigana lhe queria ler o destino, mas ele recusara, que isso de destino não havia mais depois de sua idade.

A cigana ficara brava. Em seu tempo de antes da idade de ficar rico, teria pensado assim: A cigana ficara brava, pobrezinha. Mas muito se vai depois que o herói passa da idade de ficar rico, inclusive a capacidade de pensar na cigana como pobrezinha.

Essa vez, que a partir de agora era a última, ou, a nova última vez, que era agora, não era cigana. Era um que fazia seu cavalo preto lustroso e gordo andar cadenciado. Daquele tipo de gente que as vezes se era contratado pra matar. Pelo chapéu e pelo fraque e pelo bigode fino e pelos pedaços de vidro redondos na frente dos olhos, devia ser filho de prefeito, ou gente alta das cidades.

Só tinha ido às cidades nas épocas mais magras, em trabalhos mais provisórios que o normal, que as cidades o cansavam com tudo aquilo de gente e barulho. Fora seu erro. Os que ficavam ricos eram os que ficavam nas cidades. Não há espaço para heróis se não ao lado de um político ou de um comerciante graúdo, daqueles de vender pra cidades distantes e tudo mais. Daqueles que tem retrato do Imperador na parede e contato constante com os Generais.

Boa tarde, cavalheiro, falou o homem de fraque. Não sabia se o cavalheiro era distinção ou... como se dizia? Ironia. Resolveu que era distinção, por que não se faz isso de ironia com quem está lustrando uma arma.

Pois está boa, respondeu, espero que a sua também. Ficou quieto, que já não conversava com ninguém fazia tempo. Se lhe risse o jovenzinho de bigode pequeno das palavras, tinha medo de o querer estourar. E o povo das cidades ri de qualquer palavra errada que não seja a deles.

Mas ele queria conversar, e não seria rude de não responder nada, que não era homem de rudezas com quem não tinha virado inimigo ainda.

Você por acaso está indo para os lados da vila de Trasmorro? Estava. E respondeu afirmando, suspiro temendo ser acompanhado. Bom!, eu venho vindo do litoral até aqui, já passei um tempo bom perdido nessas trilhas, o homem deu uma risada, vou lhe acompanhar até Trasmorro então, tenho um serviço para fazer por lá.

Também achava que tinha um serviço pra fazer em Trasmorro. Nenhuma certeza, na verdade. Mas o Pai da Vila mandara chamar. E o povo das vilas costumava pagar rápido pros serviços de heroísmo mais urgentes. Não que pagar rápido fosse o mesmo que pagar muito, mas já passara da idade de ficar rico mesmo."

2 comentários:

M.A. disse...

Espero uma continuação... ou não... ele já passou da idade de ganhar dinheiro mesmo =)[

Caroline Mello disse...

Talvez um conto bom. Sim, foi uma boa idéia.