quinta-feira, 24 de junho de 2010

Good Luck Living

Julia estava sentada na cama, as costas apoiadas num travesseiro e coberta apenas pelo lençol fino, quase que fino demais para esconder a nudez da mulher. Ela fitava o nada, como que absorta em pensamentos da mais profunda importância. A fumaça lentamente subia do cigarro que segurava em uma das mãos, espalhando-se pelo quarto, que apesar de não ser exatamente pequeno ficou com um aspecto brumoso. O cigarro se consumia parado naquela mão que não se movia; as cinzas caindo na cama e no piso. As janelas estavam fechadas, assim como as cortinas, deixando, no entanto, que passassem borrões de luz do mundo externo. Dentro o quarto estava em penumbra, a pouca luz vindo através de uma das duas portas, que estava entreaberta, a outra estava fechada.

Atravessando a porta entre aberta chegava-se ao banheiro, e nele Jeff se barbeava. Nunca pensou que não fosse se importar em dividir um banheiro; quando era pequeno detestava que alguém além dele usasse o que costumava usar, o cheiro mudava, ficava diferente por dias mesmo que tivesse sido usado apenas para lavar as mãos, mas com Julia era diferente. Talvez por que ele gostasse do cheiro dela, talvez por que os dois tivessem o mesmo cheiro, ele simplesmente não conseguia diferenciar, era como se ela não o usasse, apesar de alguns fios de cabelo longos atestarem que ela estivera por ali. Era costume de Jeff se barbear à noite, mesmo agora quando seus olhos começavam a falhar e suspeitava que em breve teria que passar esse hábito para o dia, ou deixá-lo de lado por completo, mas Julia não ia gostar. Ela dizia não se importar com esse tipo de coisa, com esses detalhes, mas ele não acreditava, não por completo, talvez porque ele considerasse que os dois eram muito parecidos para que ela simplesmente não se importasse. A fumaça começou a entrar pela fresta da porta. Jeff disse a Julia para abrir a janela, coisa que ela nunca fazia, mesmo sabendo que a fumaça do cigarro sempre o incomodava um pouco, talvez uma retribuição tácita pela preguiça dele em fazer a barba. Ele ouviu a janela ser aberta, e isso o surpreendeu um pouco, ela não costumava fazer isso, embora ele não perdesse o hábito de pedi-la. Ele era um homem de hábitos, ela um espírito rebelde, ele muitas vezes esquecia isso, ou deixava de ver nos momentos em que achava as similaridades entre os dois. Logo depois uma música começou, suave. Ele sorriu, sem querer criando um pequenino corte numa das bochechas. Era um disco que havia sido importante para eles no começo do relacionamento, ele se sentiu feliz por ela ter lembrado.

Quando Jeff saiu do banheiro, ainda com uma marca avermelhada no rosto, olhou diretamente para a cama, com um largo sorriso, mas se surpreendeu ao vê-la vazia. Olhou para a janela, uma última vez os olhos dos dois se cruzaram, e então os dela se foram, caindo pelo precipício, para sempre apagados do brilho que tinham em vida. Julia se foi pela janela do décimo primeiro andar, deixando para trás apenas um cigarro apagado sobre uma folha rabiscada às pressas -sua última carta- e uma velha canção.

***

Então pessoal, essa é uma história bem triste, eu sei, mas essa é só uma parte dela, não tenho a intenção de trazê-la em ordem cronológica, são pequenas estorinhas sobre a memória, e como tal não se apresentam de forma ordenada. Eu espero que todas as partes sejam curtas como essa mas não dá pra ter certeza, essa mesmo foi reduzida bastante da sua versão primeira (aquela que ainda está na minha cabeça). A idéia para essas estórias apareceu enquanto eu ouvia Jeff Buckley, apesar de não ter nada em comum com as músicas dele de forma geral elas foram uma fonte de inspiração, então é possível que eu faça algumas referencias, isso sempre me pareceu uma idéia interessante afinal de contas.

"Don't fool yourself, she was trouble from the moment that you met her."

- Jeff Buckley, Forget Her

4 comentários:

Yuri disse...

Só sugiro "no começo," ao invés de "no começo do relacionamento,".

No mais, tá duba! E você ia ter que mostrar sua face mais deprimida hora ou outra, afinal, agora que eu tô começando a soar bobão e alegre.

M.A. disse...

Amei *-*
mas eu, particularmente (e sem a intenção de te ofender), escreveria muitas linhas do Jeff filosofando, criando um clima de completa alegria e satisfação com o estado atual das coisas antes de ir para o quarto e encontrá-lo vazio... eu sempre fui dada a dramas, sabe, mas isso não vem ao caso x_x

Parabéns!

Unknown disse...

Não ofende de forma alguma, adoro quando dão dicas, afinal é um pouco dificil para mim ver os defeitos naquilo que escrevo, principalmente por ser um tanto quanto avesso a revisões. Eu realmente tinha pensado em prolongar um pouco essa parte, mas acabei não fazendo isso para não alongar demais, mesmo porque pretendo escrever as outras partes aqui, e nelas isso deve ficar mais claro, assim espero pelo menos...

Thales Carpi disse...

Estamos aguardando, sem pressão! =D