1.
fazer, sim, sempre que possível
mas só fazer amorosamente
em cada guardanapo dobrado
em cada centímetro escavado
em cada palavra, em cada lavra
fazer sensível o amor que transborda
2.
nada vale a pena ser feito se não for amando
nada existe que não valha a pena ser amado
nada é, no fim, errado o suficiente para o amor
3.
se eu não tivesse o amor, não é que eu não seria nada
não
mais importante que isso: não valeria a pena
as pestes, a guerra, a fome, a morte, os lobos e os homens,
isso tudo seria demais para meu coração
que é pequeno como um passarinho, e se machuca tão fácil
4.
o amor não me protege de nenhuma dessas coisas
que pode um passarinho contra a guerra?
contra a morte?
contra os homens?
mas se eu amo, o que eu sangro é outra coisa
e as lacerações e feridas que me impõem
as pestes, a fome, os lobos,
não me esvaziam mais de mim, pois o que transborda de mim
não é meu sangue, não é meu medo,
não é nada que seja meu: é o amor
escorre de mim como mel,
limpa minhas feridas - mesmo que elas continuem doendo
o amor não faz nada parar de doer
é vão amar com esse objetivo
como é vão viver imaginando que não há nada que doa
5.
viver apesar da dor, viver porque dói
só pode amar genuinamente quem dói
por suas próprias feridas e pelas dos outros
6.
deixar-se machucar: não para o prazer dos sádicos
mas em solidariedade aos que estão machucados
dividir com eles o peso das feridas
trocar uma cicatriz por outra, pois
em dois corações uma cicatriz dói menos que em um só
7.
é um século cinzento e eu entendo
que as pessoas graves queiram vir torcer o nariz para um poema sobre o amor
(ainda mais um amorzinho assim tão pequeno,
e que escorre tão devagarinho)
você é o que? carolas? brega? escritora de autoajuda?
eu não posso fazer nada, terei que responder
às vezes disfarço, mas às vezes não
só posso escrever o que escorre de mim
e hoje é isso