segunda-feira, 27 de abril de 2015

A ordem dos meninos chorando


Como se fosse um ritual secreto, o menino chora sentado sobre a calçada. Cada lágrima que escorre é o pedaço de uma mágica, cada fio escapando do que sobrou de suas calças, é um encantamento. É necessário que o menino chore e sinta o gosto frio do cimento nos ossos de suas pernas.
Dele é a ordem secreta pela qual o mundo é o mundo.
Não fosse o atrito do asfalto contra sua panturrilha, não haveria os trens. Sem o esgarçar de seus bolsos, pesados de tão vazios, que seria das padarias? É o feitiço de cada lágrima que escorre que garante que as câmeras de TV possam apontar e suspirar, aliviadas, quando o sol nascer amanhã.
Dele é a ordem secreta pela qual o mundo é o mundo.
Dele e de outros exatos mil e não sei quantos meninos sentados sobre as calçadas, chorando. Cada lágrima que escorre garantindo exatas quinhentas e não sei quantas famílias ao redor de um pão, dentro de uma locomotiva, em um seriado de televisão. Suas exatas seiscentas e não sei quantas calças completas - compostas pelas partes faltantes das calças de cada um - testemunhas do ontem, do hoje e do amanhã. Seus joelhos de menino pretos de sol e sangue.

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