sexta-feira, 10 de maio de 2013

Talvez uma intervenção

Eram tantas as manias que você podia ter me passado, e a que ficou foi logo a de destruir livros. Agora sempre que leio tenho um lápis do lado, para sublinhar as passagens que acho interessantes, e poucos são os livros que li recentemente que escapam de ter suas orelhas dobradas.

Coloco o livro de lado. É daqueles que exige muito de mim. E nunca soube lidar com coisas que exigem demais de outra forma que não fosse procrastinando.

Toda vez que passo uma sexta-feira em casa fico ansioso, esperando que em algum momento, lá pelas duas ou três da manhã, você vá me ligar, talvez um tanto bêbada, para falar alguma coisa. Qualquer coisa. 

Toda vez que saio numa sexta à noite, tenho de me segurar para que não seja eu quem vá beber demais e te ligar para falar alguma besteira. Ou talvez nem para falar o que seja, não é como se soubesse o que fosse falar, talvez só o fizesse para ouvir sua voz. Mas pode ser que falasse algo muito estúpido, é o que costumam fazer as pessoas em situações como essas. E não posso me permitir ser ainda mais estúpido com você. Além do que, não é como se você fosse realmente atender. Não numa noite de sexta. Deve ter coisas melhores para fazer.

Lembra quando muitos anos atrás você me disse que isso de escritores se inspirarem no sofrimento era só um mito? Achei então que você havia me decifrado, que havia percebido que o ennui é só pose, que a pose de triste era só para fazer o poeta antes que as palavras o fizessem. Acho que me enganei. E mesmo agora, o que faz os dedos dançarem é o ócio. É estar em casa, num fim de semana de dia das mães, e não ter o que fazer, não ter em que pensar, se não em você, e em coisas que me disse anos atrás, coisas que você nem vai lembrar de ter dito. A memória é um brinquedo, mas é como aquele jogo de tentar acertar a faca nas lacunas entre os dedos. Se você brinca com memórias displicentemente, elas podem te causar dor, elas podem até fazer com que se perca para sempre um pedaço de você.

E eu podia escrever livros inteiros sobre fracasso,  e sobre como morrem os sonhos e as histórias de amor; sobre gerações perdidas entre incertezas, sobre rotinas sem saída e sobre auto-depreciação. Ao invés disso escrevo sobre o tempo perdido fantasiando e lembrando de você.

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