terça-feira, 14 de maio de 2013

Corridas de cavalos

(considerações não necessariamente relacionadas sobre a arte da escrita)

Você vai estar sentado na sua cozinha, entre um e outro sanduíche, lendo um verdadeiro clássico - que você já queria ter lido faz tempo, mas ainda não tinha. Se você for como eu, e gostar do pão mais macio, vai preferir esquentar seus sanduíches no microondas. Mas a minoria das pessoas é como eu, e você provavelmente vai usar uma tostadeira, pro seu pão ficar crocante, ou comer sanduíches frios mesmo.

Tudo bem.

A coisa é que, entre um sanduíche e outro, enquanto acaba a visita à amante e todos se preparam para a grande corrida de cavalos, você vai se lembrar que já leu alguma coisa falando à respeito disso. Foi um tratado sobre literatura? Foi uma crônica? Foi uma piada? Claro que não foi uma piada... Foi na escola? Cursinho? Alguma matéria alternativa, já na faculdade mesmo? Será foi só um texto que você leu porque queria? Você vive fazendo esse tipo de coisa, afinal, ou nem estaria por aqui agora...

E não só o texto falava sobre corridas, ele falava sobre cair do cavalo. Sim, você terá certeza agora, o texto tratava de uma queda. Mas os detalhes ainda estarão muito confusos na sua cabeça, e, caramba!, agora você tem é que prestar atenção à corrida em si, não de gente falando dela fora de hora.

(Em um parênteses, você vai ficar um pouco decepcionado por já saber que vai haver a queda. É chato mesmo. Você estava feliz por ter conseguido começar um livro daquele calibre, pensando que não sabia nada da estória, que cada parágrafo seria uma surpresa, e de repente estará lá a queda do cavalo, direto na sua testa. E o parênteses não será à toa! Bem no finalzinho dele, você se lembrará, ou terá a impressão de se lembrar, que, em consequencia do tombo, o cavaleiro morrerá!)

 Será isso mesmo? O cavaleiro morre? Não pode ser! As consequencias que isso traria para a estória seriam... Você continuará lendo, incerto. Cada obstáculo que a égua transpõe será um alívio, cada avanço, uma alegria - ainda que você não goste - no mínimo, até então você pensará que não gosta - do oficial que a cavalga.

Mas os sinais estão lá. As pistas de que as coisas vão dar errado lhe virão uma por uma, retroativamente, e você se dará conta. Sem saber muito bem por qual processo, sua mente deslizará fora de seu controle, reorganizará insinuações, analogias e evidências do livro e fará brotar memórias do texto obscuro que lhe atrapalhou a leitura, e você seguirá lendo, com a certeza que os sanduíches tem de suas mordidas: o Vronski cai do cavalo e morre.

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