Um ano passa logo, velho amigo
Tão logo que, no estalar de um dedo,
Nosso pesar se tornará brinquedo
E outra vez eu estarei consigo.
Um ano passa logo, ouça o que eu digo:
Um ano passa logo, leve, ledo
Não há feiticaria, nem segredo
O longe, pra nós dois, não é castigo.
Não temo o tempo em que não nos veremos
Pois nossos laços são dos mais profundos
Irmãos nós somos, irmãos seguiremos.
Eu temo outra saudade, mais sofrida:
Se, para amigos, anos são segundos
Para os amantes, horas são uma vida.
domingo, 26 de fevereiro de 2012
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Hemingway
O copo está pela metade. O quarto está sujo, sujo demais,
acho que nunca esteve tão sujo, o que de certa forma me surpreende – de onde
virá toda essa sujeira? Não abro as janelas a dias, e, por mais de uma semana, os
lugares mais distantes nos quais me aventurei foram a cozinha e o banheiro – e me
assustaria se me importasse.
Enchi o copo – com gim, claro – no começo do dia, sabia que
ia terminar meu trabalho hoje, metade dele foi o que precisei como pequenas
gustações de incentivo, agora o resto serviria para comemorar. Tento convencer
a cadeira giratória a se curvar frente aos meus desejos no sentido
anti-horário, e ela relutantemente deixa a posição na qual se encontrou por
dias. Engraçado ter escolhido esse lado para me virar: não o lado da janela
fechada, que poderia abrir, mas o lado do espelho. Foi inconsciente, foi puro
acaso, pode-se dizer, mas ainda assim me surpreendi ao finalmente rever meu
rosto refletido ali naquele espelho manchado, grande parte da sua superfície
estava corroída, opaca, mas era um espelho barato e velho, que por algum motivo
tinha colocado ali, posicionado de forma a me possibilitar ler as lombadas dos
livros – invertidas – e ver a mim mesmo quando sentado à minha escrivaninha de
trabalho.
Peguei o copo em minha mão, movimentando-o como uma taça de
vinho, mais por efeito enquanto encarava meu próprio rosto que qualquer outra
coisa. Era também o copo barato, assim como o gim que estava dentro dele,
barato e ruim. Ainda não bebi, encarava aquela imagem que tinha me feito
esquecer temporariamente a celebração forçada. A barba estava maior e mais
selvagem do que conseguia me lembrar de ter estado em algum momento de minha
vida. O cabelo bagunçado era de praxe, mas agora parecia também um tanto
seboso, assim como a camisa branca meio desabotoada. Por algum motivo me lembrava
Hemingway. Não que eu já tenha visto alguma foto dele ou algo parecido, mas o
homem no espelho não parecia comigo – diabos, ele tinha um copo de bebida na
mão e parecia sujo – e por algum motivo era como se ele me representasse
Hemingway. Não sou o tipo de pessoa que vai atrás de curiosidades biográficas
dos autores, ou de suas fotos, mas com esse era impossível não saber ao menos
alguns detalhes superficiais. Não era apreciador dos trabalhos dele, na
verdade, pouco li, e tudo que sabia era que retratou a guerra como poucos, o
que nunca quis dizer muita coisa para mim. Em determinado momento pensei que
ele fosse me dizer algo do mundo atrás do espelho. Por um momento pensei que
pudesse ouvi-lo.
Finalmente bebi o conteúdo do maldito copo, fechando os
olhos e provavelmente fazendo uma careta. Aquilo cortava por dentro, matava. É
impressionante como as pessoas tentam encontrar a felicidade em lugares e
coisas, como elas valorizam a sua aparência, a sua personalidade, como elas
imaginam que encontrarão as respostas para tudo que querem saber em um punhado
de linhas, em algumas palavras – faladas, escritas, declamadas, em forma de
pedido, confissão, grito -, no fundo de um copo, num espelho, em montes de
livros, na imaginação, na morte, no amor, num abrir de janelas que vai mudar o
curso de tudo, num ponto final.
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