quarta-feira, 15 de outubro de 2025

09:57

Assim como muitos,

A minha cabeça só vai pra um lugar

E parece que vai e volta


Só existe o antes e o depois

O agora é sempre uma dúvida

O espaço não é um ponto

Mas um espaço

Em que se movimenta


Movimentos então

As vezes se encontram

Nunca parados nem no mesmo lugar

É uma dança


Não existe "o mesmo tempo"

Porque pra ir pra lá toma tempo

Era antes, e vira depois


E existir não é ser humano

Porque ser humano

É olhar o relógio, preciso,

Mas jamais saber

Que horas são



terça-feira, 15 de julho de 2025

poética 2

para Marian

1. 
cometer no ar ou no papel a palavra, 
matéria prima dura,
mas não sendo a palavra o que perdura

não sobra a palavra,
pelo menos, não pura,
mas palavra imaginada em meia cura 

2. 
Um poema escrito
Numa janela embaçada
O que dele dura?

3.
afiar a palavra para que fira
como o dente que rompe a casca de uma fruta 
em busca do que escorre: a doçura 
de quem se deixa ferir pela palavra 

 

terça-feira, 1 de julho de 2025

junho de dois mil e vinte e cinco

1. 

pela janela do carro cai um véu, e é como se outra noite cobrisse a noite;

uma noite mais líquida e dura;

ausente de atrito, mas densa demais para que se possa chamar suave

2.

o dever dos vivos é cuidar dos vivos,

deixar que os mortos se cuidem entre si;

mas no espelho desta noite feita duplamente, parece que só consigo enxergar o reflexo dos fantasmas que moram em mim;

o brilho de ave dos olhos da minha avó, a barba do meu padrinho,

o número de telefone da Dinha, que só tinha sete dígitos;

estão todos tão nítidos para mim, nessa noite em que quase nada se enxerga;

3.

mas os vivos nos aguardam, sozinhos e com frio;

soterrados na fuligem, presos numa maca, nus ou quase nus;

tateamos através da noite dupla, tripla, infinita

nós que também vamos nus

na esperança de nos vestir do calor uns dos outros.