terça-feira, 1 de julho de 2025

junho de dois mil e vinte e cinco

1. 

pela janela do carro cai um véu, e é como se outra noite cobrisse a noite;

uma noite mais líquida e dura;

ausente de atrito, mas densa demais para que se possa chamar suave

2.

o dever dos vivos é cuidar dos vivos,

deixar que os mortos se cuidem entre si;

mas no espelho desta noite feita duplamente, parece que só consigo enxergar o reflexo dos fantasmas que moram em mim;

o brilho de ave dos olhos da minha avó, a barba do meu padrinho,

o número de telefone da Dinha, que só tinha sete dígitos;

estão todos tão nítidos para mim, nessa noite em que quase nada se enxerga;

3.

mas os vivos nos aguardam, sozinhos e com frio;

soterrados na fuligem, presos numa maca, nus ou quase nus;

tateamos através da noite dupla, tripla, infinita

nós que também vamos nus

na esperança de nos vestir do calor uns dos outros.