não é preciso ir longe para encontrar o monstro:
ele está logo aí, mais que teu vizinho
um inquilino íntimo do teu peito
quem sabe é ele mesmo que lê
ele mesmo é quem escreve
tu reconheces o monstro nas passagens mais sutis
no ponto entre uma faixa e outra da curva
na esquina da esquina
espelhos são desnecessários, nesse sentido
querer encontrar o monstro com um espelho é um erro que cometem os inexperientes
sim, o monstro está neles
além da íris, a sugestão do monstro fica visível em quase todos
os reflexos de quase todas as pupilas
mesmo a das crianças
mas, mas!, que deselegante querer assim procurar o monstro
mais bonito é encontrá-lo no gesto suave
no virar do rosto
na mão que segura a faca com
um pouco mais de força do que é preciso
no passo que hesita no
vão entre o trem e a plataforma
na esquina, enfim, da esquina
o monstro, encontrado no fundo dos olhos, no olho d'água de um espelho
é muito mais assustador
muito mais difícil de amar
mas como não sentir carinho pelo monstro que percebemos
nos dedos que escavam nossas têmporas
na boca que toma com muita pressa a bebida quente
ou gelada demais
é preciso amar o monstro
(da forma oblíqua
na esquina, veja bem, da esquina)
para que ele não nos consuma