sexta-feira, 18 de abril de 2014

Tradução de música incompleta e Fragmento de auto-ajuda literária.

Ela deve estar em alguma sarjeta
Esperando a alvorada e os metrôs
Meio bêbada; tentando esquecer,
Não pensar que em algum lugar
Eu estou a esperar a morte,
Cuspindo saliva e sangue
No assoalho do banheiro,
Carcomido por inteiro,
Rogando a deus pra que ela venha,
Que me salve a vida e me foda,
Como só ela pode.

***


A função de quem escreve é a de dar sentido a algo que, por princípio, não tem sentido algum, a vida. Nada mais natural, portanto, que o começo das carreiras literárias – embora eu tenha algumas ressalvas a utilizar uma palavra tão não-literária quanto carreira numa situação como essa – seja uma tentativa de dar ordem à própria vida de quem escreve. Disso decorrem as centenas de primeiras obras que são ao menos em parte autobiográficas, e também o número ainda maior de estórias de amor. Talvez seja algo comum à categoria que acaba se dedicando à escrita, afinal, não raro é ouvir comentários que ressaltam a necessidade de uma sensibilidade desenvolvida, de capacidade de observação e de solidão. Não é difícil ver como essas características geram pessoas emocionalmente disfuncionais, e com grandes dificuldades de relacionamento, que precisam ser exorcizadas na escrita, que pode ser também uma forma de prática ou memória do fato real, pois as coisas parecem muito mais verdadeiras e passíveis de compreensão quando estão no papel. A vida real é algo muito mais complexo que a mais surrealista das novelas, ou mesmo do que o Finnegan’s Wake. Eu mesmo poderia dizer que, na minha experiência, tento fazer algo assim, poderia mentir que foi mesmo isso que me aproximou da literatura, mas isso seria só uma forma de tentar parecer especial, seja como indivíduo ou como classe. A busca por sentido não é especial a quem escreve, e quando procuramos o sentido da nossa, sejamos nós quem formos, o primeiro passo é olhar para quem está perto, para as pessoas com quem nos relacionamos. Eu acho uma forma de pobreza a literatura que foca no romantismo e esquece a amizade. Mas a relação amorosa sem dúvida é onde o sentido parece – e pode ser apenas uma aparência ou não – mais forte, mais claro. Talvez por isso seja tão valorizada. O amor é a busca do nosso sentido no outro. E quanto mais incerto parece o mundo, maior se faz a dependência. A diferença é que algumas pessoas o fazem na vida real, procuram um amor material, enquanto outros se dedicam outras coisas, procuram um amor metafísico, na literatura ou na religião ou na política ou no que for. E é tão mais fácil essa segunda opção, é tão mais difícil que alguma dessas coisas nos decepcione quando comparamos isso a algo tão carnal e falível quanto um ser humano, que também tem suas vontades e fraquezas e, principalmente, a sua própria busca de sentido. 

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