sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Distração 1


Bem, como vocês provavelmente já sabem, estou tentando escrever um livro, mas nas horas em que não consigo me concentrar o suficiente, saem coisas como essas, distrações. Desculpem a emotividade.

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Eu preciso de um retrato seu para garantir que não vou te esquecer. Não me entenda mal, não é como se eu estivesse falando que vai ser fácil te esquecer, mas com o tempo, mesmo que pouco, mesmo que lutemos contra o esquecimento, o tempo faz com que nossas memórias mudem, que elas signifiquem para nós alguma coisa diferente da que realmente significavam para nós quando estavam próximos, quando eram reais.
Não poderia ser uma foto. Uma foto mostraria você como é de verdade, e não o que quero lembrar, como quero lembrar.
Não gosto de pensar que nunca mais vamos nos ver, até porque acredito no destino, e é impossível que o destino nos separe assim para sempre, sem nenhuma possibilidade de consolo à vista.
Ao fundo, a vastidão negra do rio, se confundindo com a noite, em tons dos mais profundos. As luzes da cidade estão lá, ao fundo, assim como as estrelas. São de um contraste lindo. Tento ao máximo captar bem aqueles detalhes, talvez evitando dar muita atenção a você, talvez simplesmente para não me embriagar, me derreter em seus olhos.
Estou muito emotivo, não posso evitar. Gostaria de dizer não saber o porque, mas talvez eu saiba. Talvez seja por sua causa. Mas não, me recuso a aceitar isso, se fosse apenas isso, não me emocionaria com coisas tão alheias a você, com coisas pequenas, com coisas tão...
Ah, não me controlo, quase sinto lágrimas nos meus olhos, coisa que dias atrás acreditaria impossível.
Mas a verdade é que medimos a relevância das coisas pelas sensações que elas nos fazem descobrir, ou redescobrir, não é mesmo?
Você está olhando para o lado, de perfil, como se ignorasse minha presença. Coisa que pode ser refutada pelo seu sorriso, pelos seus olhos.
Ah, como poderia eu captar os seus olhos? De uma forma diferente das câmeras, claro, da forma que eu os vejo, da forma que eles olham para mim. Aquelas pupilas dilatadas, enormes; e as íris, margens de suas cores, íris nas quais parecem estar escritas todas as estórias, contidas todas as estrelas, mas numa língua que não consigo entender, numa com que me ofusca.
As constelações em sua pele me dizem mais do que as que estão no céu. E enquanto estou perdido em retratá-las, você ri.
Ri do jeito que eu nunca conseguiria confundir com o de outra pessoa. É cristalino sincero, quase inocente, mas é difícil dizer, você é completo mistério. E o riso me desarma, me chama de volta de um mundo no qual estava profundamente emerso.
Deixei de lado todas as minhas outras obras, toda a arte do mundo, e agora você me choca com a realidade. Não, não a realidade. Falamos muitas besteiras, é verdade.
Volto a me concentrar, naquele momento não existo eu, não existe você, estamos distantes, só existe o que significa para mim, existe apenas uma chance, lentamente alimentada,
Seu nariz desafiador vai para a tela, e de repente, sinto que não sei mais o que fazer. Está viva, ali, como eu a imaginava.
Olho para o rio. As águas mais como um som ao fundo do que uma imagem, ondas perdidas nas sombras.
Olho a outra margem, as luzes e as estrelas. Estou só, eu e as lembranças de você, transformadas em quadro. Não sei se foi alucinação, presença ou saudade. Seria a saudade assim tão fácil, questão de tão poucos dias? 

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