segunda-feira, 27 de abril de 2015

A ordem dos meninos chorando


Como se fosse um ritual secreto, o menino chora sentado sobre a calçada. Cada lágrima que escorre é o pedaço de uma mágica, cada fio escapando do que sobrou de suas calças, é um encantamento. É necessário que o menino chore e sinta o gosto frio do cimento nos ossos de suas pernas.
Dele é a ordem secreta pela qual o mundo é o mundo.
Não fosse o atrito do asfalto contra sua panturrilha, não haveria os trens. Sem o esgarçar de seus bolsos, pesados de tão vazios, que seria das padarias? É o feitiço de cada lágrima que escorre que garante que as câmeras de TV possam apontar e suspirar, aliviadas, quando o sol nascer amanhã.
Dele é a ordem secreta pela qual o mundo é o mundo.
Dele e de outros exatos mil e não sei quantos meninos sentados sobre as calçadas, chorando. Cada lágrima que escorre garantindo exatas quinhentas e não sei quantas famílias ao redor de um pão, dentro de uma locomotiva, em um seriado de televisão. Suas exatas seiscentas e não sei quantas calças completas - compostas pelas partes faltantes das calças de cada um - testemunhas do ontem, do hoje e do amanhã. Seus joelhos de menino pretos de sol e sangue.

sábado, 18 de abril de 2015

Em busca da felicidade

O problema de se estudar o direito é enxergar de forma óbvia toda a injustiça institucionalizada que se sobrepõe em nosso sistema; a ciência e a filosofia é o de perceber que a falta de respostas é parte essencial do universo, e o nosso intelecto é a maior fortaleza de toda a dúvida; já a medicina e afins, que lidam com a vida, é o de que ficamos próximos de cada fragilidade, impotência e do caráter perecível de nosso corpo; e por fim a história e as ciências sociais é o de vermos de novo e de novo, claramente, a perpetuação da tirania e a estúpida autodestruição de toda sociedade.
Em qualquer caso, sem poder fazer nada.
Dizem que a ignorância é uma benção, mas o que se deve ver aqui é que é de todo jeito impossível tornar-se uma pessoa feliz sem que se esforce muito, muito mesmo, para isso; e é também impossível, de qualquer forma, ser feliz esforçando-se - somente - para isso.