domingo, 28 de dezembro de 2014

Fora de casa

Eu imaginava lá como uma masmorra
Acorrentado todas as horas de sol embaixo da terra
Escutava passos e o resmungar dos doidos
Logo após o tilintar apressado de alguma corrente
Era proibido gemer e chorar
Só era permitido sorrir
Pois a pena era se condescender à pena
E eu era tão triste, mas tão triste
Que quando de lá depois voltei
Esperava pelo menos um soco,
Ou uma lágrima
Mas eu ainda não tinha as forças
para chorar de tudo aquilo

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

manhã de quinze de dezembro de 2014.


Nane deve ter gasto naquelas três horas de viagem mais de cinquenta reais de crédito. Seu tio tinha falecido no dia anterior, que coincidentemente era o dia anterior do aniversário de seu irmão, pai de Nane. Por esses dois motivos explícitos Nane então iria naquele dia fazer um lanche com o pai e a madrasta, Neuza, em São Paulo. Era uma surpresa.

Nane parecia uma ótima pessoa, daquelas que possuem ainda uma paciência sincera para escutar com eloquência e oferecer conselhos preocupados, e mesmo ainda que esses girassem em torno de misticismos, eu fazia força para escutá-la além dos jargões dos centros espíritas.

Por isso tudo a tal surpresa carregava um diálogo riquíssimo entre a morte e a reencontro.

Tentou discar primeiro ao pai, que por motivo de estar no trabalho não atendeu. A segunda opção foi a madrasta, que de tanta empolgação com sua chegada quase falava sozinha ao telefone, no sentido que suas palavras sobrevoavam Nane como se ela nem estivesse ali oferecendo levar uma sobremesa. Era o esquema do dia sendo apressado com carinho. Neuza  pôs à mesa a questão de convidar também a tia que ficara viúva, Lúcia, a que Nane respondeu oferecendo-se com prazer para depois acompanhar a tia na volta em um táxi, deixando-a em casa a indo depois até o lugar onde posaria, que aparentemente não seria a casa do pai, mas sim em outro lugar.

Depois foi Leonora. E depois. E de novo, até que a ligação funcionou e elas puderam se escutar. Antes que Leonora pudesse expor seus planos e idéias, Nane já deixou claro o compromisso naquela tarde com o pai ao mesmo tempo que a total disponibilidade para os próximos quatro dias. A despedida selou as expectativas e ânsias energeticamente, e "tchaus" atropelaram-se até cessar.

Depois a mãe de Cristina, uma velhinha simpática da cidade de onde Nane acabara de sair, mas apenas para que pudesse perguntar o então telefone de Cristina, que também morava agora em São Paulo. E então foi para Cristina. E dessa vez não sei ou não me lembro o que se passou, mas de alguma forma, sem tentar abstrair, deve ter sido como no caso de Leonora.

Finalmente por último foi o pai, que agora era o que fazia a ligação. Tinha chego em casa e Neuza havia lhe informado, provavelmente com empolgação, sobre os rumos daquela tarde. Combinaram então de se encontrarem no metrô, onde o pai a buscaria de carro.

Pode-se dizer que Nane não me deixou dormir naquelas três horas. Mas eu também não a calei, e acabei dormindo um pouco sim nos curtos intervalos de um telefonema a outro. Quando chegamos em São Paulo, fiquei sem a imagem real, somente com a especulativa, de Nane, que provavelmente desceu do ônibus atrás de mim, cheio de expectativas.