quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Por que?

Todos os dias eu acordava
a porta já estava
aberta
e eu saía para tomar
um ar.
Por que? - eles me perguntavam.

Um dia passou um homem
e olhou como se eu fosse
fantasma.
Eu olhei de volta,
parado.
Por que? - eu me perguntava.

Naquela manhã aquele homem
tinha espancado
alguém.
E de tanto bater,
matou.
Por que? - nos perguntávamos.

Entrei correndo em casa,
sentei em frente da
televisão,
e só me levantei às cinco
da tarde.
Por que? - aparentemente não se sabe.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

uma pequena estória de terror psicológico, ou, uma parábola sobre a solidão e a dependência

nos últimos tempos a minha casa passou a ser assombrada. eu não sei bem o motivo. não é como se alguém tivesse morrido aqui. mas coisas estranhas começaram a acontecer. não o tipo de coisa que pode ser ignorada facilmente. não é como se uma coisa que deixei em cima da mesa caísse do nada. não é o som de alguém andando no forro. essas coisas sempre aconteceram, e sempre foram normais. as coisas caem por causa do vento e o espaço entre o telhado e o forro é um ambiente ideal para gatos que querem fugir da chuva ou talvez outros animais. não duvido que morem alguns morcegos ou até uma coruja, quem sabe. não, as coisas que vem acontecendo são mais sutis. é a sensação de que alguma coisa está logo ali, atrás de mim, e, se me virar, vou dar de cara com ela. mas quando olho não tem nada lá. ainda assim, a sensação não se vai. é saber que não estou sozinho no quarto quando apago as luzes e vou dormir. é ser obrigado a escovar os dentes encostado na parede porque, em qualquer filme de terror, sempre vai aparecer uma criatura no espelho do banheiro. é ouvir distintamente um voz, mas não conseguir entender as palavras nem descobrir de onde vem o som. e os sonhos. acho que são sonhos. espero que sejam. apesar de serem tão reais.
num deles eu tenho a impressão de ter acordado. de estar no meu próprio quarto. pelo pé da porta entre uma luz, só que não é luminosa. é uma coisa quase material, como se a luz tomasse forma de névoa. eu sei que tem alguma coisa do outro lado. não posso fazer nada sobre isso. a simples presença daquilo, seja o que for, me assusta. continuo deitado, fingindo o melhor que posso que ainda estou dormindo. quem sabe assim a coisa não me deixa em paz. mas a coisa fala. e eu, deitado na cama, sonhando, entendo. entendo mas esqueço. só sei que continuo fingindo, imóvel de medo. nem toda a coragem do mundo seria suficiente para me fazer levantar e ir até aquela porta, nada conseguiria me fazer abrir e encarar o que quer que esteja do outro lado. nada a não ser a própria coisa. será que o que a coisa me diz é uma ameaça? será que toda noite, quando o sonho se repete, a coisa se enfurece e exige que eu vá e abra a porta? e se um dia ela não precisar de mim para abri-la? vai jogar toda sua raiva sobre mim? enquanto isso não acontece, continuo a sonhar.
quando acordo, já pelo meio do dia, sem lembrar dos detalhes, tento me convencer que sonhos recorrentes não são assim tão raros, e com essa pequena mentira consigo viver o meu dia, mais ou menos tranquilamente. mas quando escurece a casa começa a se tornar estranha novamente. me vem imediatamente um calafrio, como se alguém respirasse no meu pescoço, como se alguma coisa se movesse e eu quase conseguisse ver com o canto do olho. nunca tive muito medo dessas coisas. sempre imaginei que nunca fui odiado o suficiente para que alguém viesse do outro mundo com o simples intuito de me assombrar. mas talvez eu estivesse errado. talvez a criatura estivesse se sentindo só. e conseguisse sentir a minha própria solidão. talvez tenha vindo não para me assombrar, mas para me fazer companhia. e, saber que ela está ali, quase ao meu alcance, me conforta tanto quanto me assusta. se ela veio por isso, não devia eu abrir a porta? penso assim e tento criar uma resolução. essa noite, quando ela pedir para que eu abra a porta, em meu sonho, vou me levantar e abrirei. seja o que for, se se importa tanto assim comigo, merece meu amor. toda as noites vou dormir pensando nisso, mas quando vejo a névoa entrar por debaixo da porta o medo continua a me congelar. é como se uma aura viesse do outro lado e me impedisse de me mover. finjo que continuo a dormir para que ela, a criatura do outro lado da porta, não se decepcione e vá embora, para que não ache que não abro por má vontade, por não reconhecer sua dedicação a mim.

acordo depois da uma da tarde e tento me convencer: sim, essa noite, esta noite vou abrir a porta, seja lá o que estiver atrás dela. 

sábado, 6 de setembro de 2014

Crônica de uma viagem maluca

O homem cego de um olho numa baita cicatriz arca-se em direção aos outros e a preço alto oferece-lhes frutas numa caixinha debaixo de um sol escaldante desde as primeiras horas da manhã num vento lancinante e vê-se sempre preso do lado de fora das janelas cujas vistas pode enxergar somente de forma indireta pelo reflexo do insulfilme. O escritor conclui que é escravo da visão e que a base da literatura está nos detalhes da descrição a partir da observação atenta cotidiana policiada e impressionante e tem dificuldades em se expressar. Os médios arbustos aparentemente a o que eu acho uns cem metros ali para frente na descaída daquele morro em lusco fusco riem exaltados com as carícias e o cumprimento do vento seu velho amigo que traz as notícias do dia das cicatrizes da literatura e das estrelas que se fazem tímidas por ainda estarem a pouco número e avançam imperceptivelmente a quem passa pela estrada a muitos quilômetros por hora. Enfim vem o resto de um dia e lá a espera de alguém um velho pensa em seu avô e no que ele pensava do avô dele e que tempo curto esse que agente vive mas pensa também no próprio pai no filho e no neto que nem chegou a conhecer tanta gente assim mas talvez já andou de montão mas mesmo assim não deve se lembrar dos caminhos porque como já disse passa a muitos quilômetros por hora e é de se impressionar e depois pensa como é tolo se fazer pensar nisso só por que é velho acham que não pode pensar em mais nada porque velho tem essa de ter muita vida vivida e lembrança de verdade e estar sempre mais perto de casa e também do FIM.