quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Lobo

Rosne, uive, ladre, lobo!
Que a noite, enfim, é muito curta.
Deixe a lua ser tua consorte,
Espera o sol bater na tua cara,
Quando o vir, lobo, memento mori.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Pessoas e o fim

Realmente acho que todos os textos da série “pessoas e …” podem ser lidos separadamente, mas em conjunto eles devem fazer muito mais sentido: primeira parte, segunda parte e terceira parte. Essa série foi uma tentativa de fazer uma coisa um pouco diferente do que eu geralmente faço, mas acabou não ficando tão diferente quanto eu esperava. Vou fazer mais estórias para esses personagens, eles são genéricos o suficiente para render muitas coisas para o blog, mas os outros vão ser completamente independentes, então esse é provavelmente o fim de uma pequena estória.
***
Ela não demorou muito para acordar, afinal, já tinha dormido bastante, não a muito tempo. Ele ainda estava escrevendo. Ela levantou e lhe beijou os cabelos, ele quase não percebeu. Ela foi andando calmamente para a sala. Colocou outro disco para tocar e sentou no grande sofá que ela mesma tinha escolhido, olhando pela janela. Já tinha parado de nevar, lá embaixo, na rua, provavelmente seria bem difícil saber que tinha sequer nevado mais cedo, o Sol, apesar de tímido já devia ter derretido tudo, não fora nenhuma nevasca afinal de contas.
Ela se sentia muito idiota naquele momento. Não entendia como ficara tão apavorada mais cedo. Não era pessoa de perder o controle, não importando como ou quando. E especialmente não era pessoa de ficar aflita sem nenhum motivo real, só com medos que não tinham fundamento, medos infantis. Não conseguia entender como aquilo podia ter a amedrontado. Se sentia como se por alguns momentos tivesse perdido o controle sobre o que era e o que queria. E não soube realmente dizer se aquilo era uma coisa boa ou ruim.
Ela ficou ali, pensando nisso até finalmente conseguir espantar as ideias de sua mente. Já estava anoitecendo quando ela foi para a varanda, simplesmente olhar as cores do céu e pensar no mundo. Gostava das cores do começo da noite ainda mais do que das cores do fim da tarde. Pensava em todas as coisas que aquelas cores significavam para ela; o carmim que se arroxeava e o azul, cada vez mais escuro conforme se aproximava das estrelas. Ela ouviu quando ele se aproximou, por mais que estivesse perdida em pensamentos. Ela o ouviu enquanto ele trocava o disco, mas não olhou para trás, não tirou a atenção das estrelas, não queria voltar aos pensamentos que tinha afugentado mais cedo. Ele ficou ao lado dela, sem realmente falar coisa alguma. Ela sabia que ele não estava olhando para as estrelas como ela, mas sim simplesmente ouvindo a música, mas também pensando, sem dúvida, talvez até mesmo em coisas parecidas, mas isso ela nunca ia saber, e gostava das coisas assim. Uma coisa que ela sabia é que ele nunca começaria uma conversa naquela situação, ele nunca atrapalharia quando soubesse que ela estava pensando, então a tarefa ficou para ela.
“Então você decidiu escrever alguma coisa diferente… fantasia?” Ela conhecia ele o suficiente para estar quase certa da resposta mesmo enquanto fazia a pergunta.
Ele sorriu, estava esperando que ela falasse. “Não, acho que vai acabar sendo um policial, mas ainda não tenho certeza”.
Foi a vez dela sorrir. Estava surpresa; os dois sabiam que ele não era bom em deixar os leitores em suspense. Ele escrevia coisas que revelavam, não que ocultavam. Mas saber isso a deixou um tanto feliz, por mais que não soubesse dizer o porquê. Mas agora era a vez dele falar, e ela conseguia sentir que ele tinha algo para falar.
“Sabe, com o livro novo eu vou ter que passar alguns dias fora”. Ela não entendeu imediatamente onde ele queria chegar, então esperou que continuasse. “Eu não vou te pedir em casamento ou algo assim, mas você podia aproveitar esses dias e trazer suas coisas para cá, mudar um pouco a casa, talvez”.
Aquilo a deixou realmente surpresa, e percebeu que estava se surpreendendo muito nos últimos dias. “Mas o que você quer dizer com isso? O que você acha que isso vai significar para nós? O que vamos fazer sobre ver outras pessoas? E…”
Nesse momento ele a interrompeu, e ela não sabia exatamente se ele estava respondendo ou simplesmente cantando com a música de fundo quando disse “I Don’t mind, if you don’t mind” e se afastou sorrindo, mas ela sabia que aquela seria toda a resposta que teria, pelo menos por enquanto.
E ela continuou lá, olhando para o céu que agora estava completamente escuro, com pontinhos brilhantes e sem lua. E ela não conseguiu se impedir de pensar em como seria as coisas daquele momento em diante, não conseguiu se impedir de ficar curiosa. Parecia uma coisa nova, e ela percebeu que gostava de ser surpreendida.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O Suco Secreto

Você já deve ter tomado groselha. É um negócio gostoso, principalmente aos oito anos. Mas quando eu tinha oito anos, groselha não era groselha, pelo menos não na casa da minha avó.

Ela aparecia na sala, quando íamos jantar seu famoso arroz com franguinho, com copos cheios, dizia para os netos, de Suco Secreto. Era maravilhoso. Mais saboroso que suco de uva, sem a consistência incômoda do suco de laranja, com aquela cor bonita (principalmente contra a luz, olha, o que será que ela põe aí?). E era, sem que soubéssemos, groselha.

O neto, ao completar onze anos, dizia para nós, aprenderia com ela mesma a receita do Suco Secreto. Ah, tempo de espera cruel e dolorosa. Lá estávamos, em outro dia, sentados na sala, comendo arroz, franguinho, talvez umas batatas fritas, assistindo a algum filme que ela tivesse gravado pra gente. Ela vinha pelo corredor e chamava um de nós.

Não nos dávamos conta na hora, mas o aniversário dele tinha sido o que? Uma semana, talvez duas, atrás? Só quando eles voltavam, três cenas do filme depois, trazendo nas mãos copos de Suco Secreto para todos, é que percebíamos.

O olhar com a humildade orgulhosa dos sábios em seu rosto não nos deixava dúvida. Ao chamado de nossa avó, uma criança, ignorante dos Segredos do Suco, havia deixado a sala. Voltara para ela um Homem Completo.