quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

As Novas Aventuras do Mágico

Lhe haviam dito que, num restaurante de culinária japonesa tão tradicional como aquele, um chefe japonês espumando de raiva saltaria da cozinha até sua mesa se molhasse qualquer coisa que não o peixe no shoyu.

O Mágico parou por alguns instantes e cogitou: o que lhe fariam se pedisse um ketchup?

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Talvez uma intervenção

Todas as noites pouco antes de me deitar eu rezo. Não da forma que as pessoas costumam fazer isso. Não rezo para um Deus inefável, eu rezo para Bob Dylan.

Todas as noites quando encosto minha cabeça no travesseiro imediatamente começo a pensar. Talvez já estivesse pensando mesmo antes disso. Penso sobre pessoas que provavelmente não deveriam estar em meus pensamentos tão tarde da noite. Porque sempre é tarde. Sempre é muito tarde. Geralmente é isso que acontece com pessoas que só conseguem realmente se sentir vivas à noite. Pelo menos é o que acho. É com a cabeça nesse travesseiro que penso nas coisas que fiz durante aquele dia e aquela noite. Penso em como certamente poderia tê-las feito melhor, e como na verdade não me sinto arrependido por não tê-las feito da melhor forma que podia. Mas não, isso é um pouco de hipocrisia, é difícil olhar para todas as coisas que se fez durante as 24 horas de um dia e não desejar que ao menos um segundo fosse diferente. Mas é fácil esquecer esses segundos, especialmente quando se quer guardar a lembrança de um dia como sendo bom.

Deitado naquela cama penso sobre todas as pessoas que encontrei e preferia não ter encontrado, a maioria preferia não ter que ver nunca mais. Mas é muito fácil não gostar das pessoas, pelo menos para mim, pelo menos nos últimos tempos. As pessoas sempre vão te dar muitos motivos para que você não goste delas. Às vezes você vai estar numa época em que nem vai perceber esse tipo de coisa. Outras vezes você não vai deixar o menor detalhe escapar. Às vezes eu tento lembrar a letra daquela poesia do James Joyce que o Syd Barret musicou. Outras eu penso nas pessoas que gostaria de ter encontrado naquele dia e não encontrei, mas sempre existe a chance de nos encontrarmos nos sonhos, não é mesmo? Ou amanhã, mas o amanhã sempre parece mais traiçoeiro e menos mágico do que os sonhos. Sonhar com alguém não é muito diferente de dormir com alguém, só é mais intimo. E, segundo Freud, tem significado.

Naquela mesma cama, e com a mesma cabeça no mesmo travesseiro penso nos lugares que quero conhecer, e o que gostaria de fazer neles. É como sonhar, só que até esse momento eu ainda não consegui dormir. Penso em como deve ser andar pelas ruas de Londres, mas a Londres que conheço não existe mais, não existe a pelo menos cem anos. Penso em tomar um café no Blv. St. Germain, mas o café que conheço lá já deve ter falido antes dos nazistas terem invadido a cidade. Penso em como Clara Schumann tocaria piano até que eu conseguisse dormir. E depois disso talvez deitasse ao meu lado, talvez trazendo com ela o marido.

Penso em como vou ser daqui a vinte anos. Nunca mais do que isso, me amedronta pensar que posso estar aqui depois disso. Penso se alguém estará pensando em mim naquele momento. Mas não, já é tarde, todos devem estar dormindo. Pensando nisso afasto meu travesseiro, algumas noites jogo ele no chão ou em algum outro lugar. Tenho uma teoria de que enquanto conseguir pensar e lembrar do que estou pensando o sono ainda está longe. O sono não gosta de mim, mas eu gosto dele, todas as noites espero por ele, todas as noites fico um pouco desapontado porque ele nunca vem. E assim se passam horas, as vezes dias, me revirando na cama, pensando em estórias que adoraria passar para ao papel. Mas aos poucos não sei mais o que acontece com essas estórias. Eu deixo de lembrar as coisas imediatamente depois que penso nelas – pelo menos é o que acho, se lembrasse disso a minha teoria estaria já provada errada. Quando de repente acordo, sem nem mesmo poder dizer que dormi, apenas que cansei de esperar.

Mas, ainda assim, todas as noites deito e tento, e espero o sono enquanto penso no mundo que já não vi muitas vezes e nas pessoas que não estão pensando em mim. E nenhuma manhã – pois foram as manhãs que Bob Dylan reservou para o sono quando as criou – faz com que eu me arrependa.